Por uma família sem amos

Enquanto escrevo este texto, oiço na TV o ex-primeiro-ministro, ex-presidente do PSD e Dom Sebastião de uma parte da direita portuguesa Pedro Passos Coelho a apresentar uma coletânea de textos titulada Identidade e Família. Antes da apresentação, Passos manifestou-se contra a caricaturização de ideias e pessoas: “Impressiona-me que o espaço público esteja dominado por caricaturas. Mas há hiper-simplificações que são feitas com o objetivo de agredir.”

É de uma particular ironia que o ex-PM tenha assim iniciado o seu discurso sobre um livro que, a crer no que sobre ele escreveu no Expresso David Dinis, se afirma “contra a destruição da família tradicional” e “contra o modelo de um pensamento único” (o que quer destruir a “família tradicional”, supõe-se). Dificilmente se encontrará uma caricatura mais acabada que essa: a de que existe uma “família tradicional” que deve ser preservada, e que há quem a queira destruir, através de “um pensamento único”.

E que “pensamento único” será esse? Quem o pensa? Onde se encontra? Com pena, não ouvi Passos explicar. Mas supõe-se que não seja o do economista João César das Neves, que no livro que ex-PM apresentou com tanto orgulho escreve esta pérola de ecumenismo: “A convicção [de que “ao longo dos séculos a mulher foi sucessivamente oprimida e desprezada”] é estranha por duas razões. A primeira é que as mulheres sempre foram a maioria da população, o que torna insólito que sejam dominadas pela minoria masculina. O segundo motivo é que essas senhoras, alegadamente tiranizadas, nunca se queixavam ou manifestavam o seu desagrado.”

Nada mau para uma obra que se proclama, noutro dos textos (continuo a citar o Expresso), contra “o subjectivismo e o fundamentalismo a-histórico”: então as mulheres nunca foram........

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