Pedidos, cunhas e corrupção

Devo ter recebido centenas de pedidos durante as décadas em que fui responsável por um dos maiores Serviços de Cirurgia do País, que incluía uma grande Unidade de Transplantação. Pedidos vindos das mais variadas pessoas, desde colegas, amigos, políticos, jornalistas, artistas, empresários, dirigentes desportivos, escritores e muitos mais. Pedidos para receber mais cedo nas consultas, operar e até transplantar mais depressa, mas também para facilitar em exames e concursos. Muitos destes pedidos, a serem contemplados, tinham contrapartidas, algumas devo dizer bem significativas.

Sempre soube distinguir os pedidos feitos por compaixão e genuíno desinteresse, daqueles que até podiam compaginar casos de verdadeira tentativa de corrupção. Alguns destes pedidos eram legítimos e até comoventes, e mereceram-me atenção especial. A minha querida tia Juginha, quando foi primeira-dama e recebia em Belém os mais desesperados pedidos de ajuda, era uma cliente de primeira. "Meu querido, tens no teu hospital internada uma senhora muito humilde da Fuseta (terra onde ela e a minha mãe nasceram), vê se a podes ajudar, e tratar rapidamente - os filhos estão muito aflitos." Nunca deixei de a tranquilizar, nunca ela quis com esses pedidos prejudicar ninguém, resultavam da sua genuína compaixão. Eu ia sempre ver esses doentes e informá-los do seu interesse; como também nunca esses apelos sinceros e desinteressados me fizeram alterar planos já traçados e definidos. Em meia-dúzia de casos, tentaram corromper-me, fingia não perceber, nunca os denunciei, mas nunca os contemplei. Só uma única vez estive quase a fazê-lo, tão escandalosa, ofensiva e despudorada foi a proposta, mas decidi apenas ignorá-la. Tenho a noção de ter exercido os meus pequenos poderes de médico, de uma maneira correta, e as vezes em que tenho a........

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