“Para onde vais, Ocidente?” |
António Damásio alterou profundamente a minha forma de compreender o ser humano desde que, há vinte anos, tive o primeiro contacto com a sua obra através de “O Erro de Descartes”. Desde então, não perdi de vista os livros que se lhe seguiram, complementando essa leitura com outros trabalhos, nomeadamente os do antropólogo Roger Bartra, autor de Antropologia do Cérebro.
A reflexão que iniciei a partir desse momento foi a seguinte: se os seres humanos são tão excêntricos ao ponto de constituírem a única espécie dotada de consciência de ser e capaz de construir um personagem “eu” assente naquilo que Damásio designa como “memória autobiográfica”, faria sentido supor que a natureza tivesse desenvolvido, em tão curto intervalo evolutivo, mecanismos igualmente naturais para regular essa experiência? A resposta que progressivamente se impôs foi negativa.
A natureza tende à repetição funcional, privilegiando respostas gerais a problemas comuns às diferentes espécies. Uma excentricidade, e ainda por cima com apenas 250.000 anos de existência, não tem nem espaço natural nem tempo para produzir soluções que lhe sejam próprias.
O nosso cérebro induz naturalmente a fome quando existe carência energética, tal como sucede com um gato; o sangue coagula em contacto com o ar para evitar que nos esvaiamos, como em qualquer outra espécie; o desejo e prazer sexual existe, como numa lagosta, para assegurar a repro- dução. Tudo isto pertence ao domínio do natural e opera independentemente da consciência.
Estamos, porém, dotados de uma característica singular: a consciência de ser. E essa consciência não vem acompanhada de um aparato somático específico que nos permita lidar com ela de forma natural. Não existe, ao nível da filogénese, um........