Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1997. Curioso por natureza, adora buscar histórias. Desde 2005, trabalha no Correio Braziliense, onde entrevistou laureados com o Nobel da Paz, embaixadores e ex-presidentes.

Javier Milei é — queira ou não — um político que se diz inimigo da casta política. Em apenas 52 dias de governo, tomou medidas despóticas e mergulhou a Argentina em ainda mais incerteza, insegurança econômica e protestos. Percebeu, porém, que vive em um sistema presidencialista e democrático. E que depende do traquejo e da articulação política para governar. Sem maioria no Congresso, se não for minimamente inteligente, tudo o que fará será solapar a governabilidade, abrir uma crise sem precedentes entre os três poderes — especialmente o Legislativo e o Executivo — e amargar a não aprovação de nem sequer um projeto de lei importante para a Casa Rosada. Seria o mesmo que paralisar o Estado.

Nas últimas semanas, Milei recebeu mensagens nem tanto subliminares do sistema democrático. Enfrentou um panelaço histórico em Buenos Aires, na noite em que anunciou o decreto de necessidade e de urgência (DNU), um texto que revogou mais de 300 normas e propôs privatizar as estatais, entre outros assuntos que impactam mais diretamente a vida do cidadão. Oito dias depois, Milei anunciou a chamada "Lei Ônibus", que concede.superpodere ao presidente, propõe uma reestruturação econômica do Estado e proíbe as ações de piquetes — protestos com interrupção de vías — em todo o país.

Sob pressão da sociedade e do Legislativo, Milei precisou recuar em vários pontos do texto. No fim da manhã desta quarta-feira, uma desidratada Lei Ônibus deverá ser submetida à votação na Câmara, caso nenhum imprevisto ocorra. O novo texto está sem a parte das reformas fiscais propostas pelo governo, que se viu obrigado a remover quase 300 dos 700 artigos iniciais. Se sofrer uma derrota hoje, Milei ficará desmoralizado. Uma vitória apertada, por mais que fosse um triunfo para o governo, seria um retrato da polarização e da figura divisiva representada por Milei e seus ministros, que chegaram a insultar os principais sindicalistas da Argentina.

Se pretende concluir o mandato e entrar para a história como um líder que retirou a Argentina de uma das piores crises econômicas de sua história, Milei precisa governar com o Congresso e para o povo. Durante a posse, em 10 de dezembro, repetiu o lema da campanha várias vezes: "¡Viva la libertad, carajo!". O ex-roqueiro outsider ultralibertário que corteja a ideologia da extrema-direita precisa saber que não governa sozinho. Aliás, ao contrário do Brasil, a Argentina jamais foi uma monarquia.

A propósito, "carajo", na Argentina, perdeu o caráter da obscenidade. Passou a ter o propósito de enfatizar algo. Talvez por isso Milei tenha abusado do termo. Nos últimos 52 dias, aprendeu que a expressão "¡Viva la política, carajo!" deve ser a tônica de qualquer governante. Fazer política quer dizer saber dialogar, consensuar, priorizar o bem-estar social. Milei precisa aprender isso. Antes que sofra as consequências.

Saiba Mais

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

QOSHE - Artigo: "¡Viva la política, carajo!" - Rodrigo Craveiro
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Artigo: "¡Viva la política, carajo!"

7 6
31.01.2024

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1997. Curioso por natureza, adora buscar histórias. Desde 2005, trabalha no Correio Braziliense, onde entrevistou laureados com o Nobel da Paz, embaixadores e ex-presidentes.

Javier Milei é — queira ou não — um político que se diz inimigo da casta política. Em apenas 52 dias de governo, tomou medidas despóticas e mergulhou a Argentina em ainda mais incerteza, insegurança econômica e protestos. Percebeu, porém, que vive em um sistema presidencialista e democrático. E que depende do traquejo e da articulação política para governar. Sem maioria no Congresso, se não for minimamente inteligente, tudo o que fará será solapar a governabilidade, abrir uma crise sem precedentes entre os três poderes — especialmente o Legislativo e o Executivo — e amargar a não aprovação de nem sequer um projeto de lei importante para a Casa Rosada.........

© Correio Braziliense


Get it on Google Play