É inadmissível criar leis para crimes com hora certa, réus já sabidos e beneficiários óbvios

.O projeto de lei da chamada dosimetria não é um episódio lateral do processo legislativo nem um debate técnico restrito a especialistas. Trata-se de uma iniciativa que incide diretamente sobre crimes contra a democracia, sobre decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e sobre o próprio sentido de justiça em um Estado constitucional. Ao avançar em dezembro de 2025, às vésperas do recesso parlamentar, o projeto revela uma escolha política clara: reabrir, por via legislativa, o julgamento de ataques frontais ao Estado Democrático de Direito.

Não se está diante de um desacordo hermenêutico legítimo nem de uma divergência acadêmica honesta sobre política criminal. 

O que se observa é uma intervenção legislativa dirigida, com alvo histórico preciso, destinada a reconfigurar tipos penais e regras de execução da pena a partir de um evento concreto — os atos de 8 de janeiro de 2023. 

Ao agir assim, o Parlamento abandona a função prospectiva da lei e passa a legislar retrospectivamente, interferindo em condenações já proferidas, tensionando a separação de Poderes e comprometendo a confiança pública na ideia de que a Justiça decide com base na lei, não na conveniência política posterior.

Os fatos são objetivos e precisam ser registrados com precisão. Em 9 de dezembro de 2025, o substitutivo do projeto foi apresentado na Câmara dos Deputados pelo relator Paulinho da Força. Na madrugada de 10 de dezembro, o texto foi aprovado por 291 votos a 148 e enviado ao Senado. 

O ritmo acelerado não foi casual nem neutro; revelou prioridade política clara e pouca disposição para um debate aprofundado sobre suas consequências institucionais.

O PL 2.162/2023 entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado para o dia 17 de dezembro, sob relatoria formal do senador Esperidião Amin. Na véspera, em 16 de dezembro, o senador Alessandro Vieira protocolou voto em separado defendendo a rejeição do texto aprovado pela Câmara.

É essencial registrar corretamente esse ponto. O relator oficial na CCJ é Esperidião Amin. Alessandro Vieira não relatou o projeto, não apresentou substitutivo e não conduz sua tramitação. Seu voto em separado deve ser visto pelos seus pares na comissão como um vigoroso alerta político e jurídico, uma tentativa explícita de frear uma inflexão legislativa que ameaça ultrapassar limites constitucionais sensíveis. 

Não se trata de gesto retórico, mas........

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