O ilustrado Zohran Mamdani

Do a terra é redonda

1.

Ralph Waldo Emerson (1803-1882). Foi o filósofo que instituiu no século 19 a ideia da “autoconfiança”, como predicado do indivíduo para o sucesso e a felicidade, bem como para a formação do “ethos” da nação, no sonho americano. Um episódio na vida espiritual de Emerson define os limites do sonho, cujo sucesso e fracasso ficou evidente logo depois Guerra da Secessão: o sonho americano tinha suas antinomias.

Em St. Augustine, na Florida, no pátio ao lado do auditório em que Ralph Waldo Emerson apregoava suas ideias numa reunião da Sociedade da Bíblia, ocorria um leilão de escravos, cujos lances de compra e venda perturbavam a exposição do filósofo. Ali, ele expressou num curto parágrafo a visão de mundo que caracterizaria a sociedade americana: “uma orelha ouvia boas novas de grande felicidade, enquanto a outra se regalava com as proclamações do mercado: ‘Vendido, senhores, vendido!’”.[i] A Liberdade branca calculava o seu preço.

Alexis de Tocqueville (1805-1859) fez convergir o individualismo libertário para a liberdade na comunidade, democraticamente vivida, onde a liberdade e a regra espontânea do justo estariam presentes na vida comum. À associação entre os indivíduos conscientes dos seus direitos, se somaria o bloqueio do despotismo estatal, sempre: “para ser livre, é preciso ser capaz de conceber um empreendimento difícil (…); é preciso se habituar a uma existência plena de agitação, movimento e perigo; e a cada instante dirigir um olhar inquieto ao redor de si”.[ii] “Olhar o entorno”, como recomendou Norberto Bobbio bem mais de um século depois.

Na utopia de Ralph Waldo Emerson estava o chamamento à liberdade –como apelo confiante a um futuro construído pelo arrojo dos indivíduos decididos –, mas, na utopia de Alexis de Tocqueville, a subjetividade livre dos humanos vai construir a boa vida comunitária, sem precisar ser ordenada por um estado organizador que se vingasse poderia eliminar o que no futuro chamar-se-ia de sonho americano.

2.

O revolucionário sardo, Antonio Gramsci (1891-1937) que via no campo da política o espaço da indeterminação e da contingência, confiava no “bom senso comum” erguido à condição de vontade coletiva.

Esta codificação da autoconfiança permitiria aos humanos, organizados na política, ganhar as opiniões da sociedade antes de assumir o poder de Estado, que seria iluminado por uma ordem da liberdade coletiva de todos: é a práxis de “viver livre”, na luz do estado orgânico unido e plural, que assume todos como iguais, para “uma vida livre” revolucionária e transformadora em movimento: ordem material da liberdade, igualdade e fraternidade” já esquecida pelo iluminismo. John Kennedy foi seu falso profeta, Donald Trump seu coveiro real.

As duas visões de mundo – de........

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