Geração Z, algoritmos e o risco de desestabilização no Brasil |
Entre a frustração política e a captura algorítmica da indignação, a Geração Z emerge como um território decisivo da disputa pelo poder. Às vésperas de 2026, compreender esse fenômeno deixou de ser opcional para quem pretende defender a democracia brasileira.
Introdução
As pesquisas de opinião mais recentes indicam um dado que não pode ser tratado como detalhe periférico: o apoio ao governo Lula entre os jovens é frágil, volátil e significativamente inferior ao observado em outras faixas etárias. Em um país historicamente marcado por ciclos de mobilização juvenil, esse dado não expressa apenas preferência eleitoral. Ele sinaliza disponibilidade política, isto é, um terreno social aberto à disputa, à captura simbólica e à reorientação do descontentamento.
Ao mesmo tempo, a política deixou de ser mediada apenas por partidos, sindicatos, imprensa ou instituições tradicionais. Plataformas digitais e algoritmos passaram a organizar a visibilidade dos conflitos, a hierarquizar indignações e a acelerar processos de mobilização coletiva em escala inédita. Nesse novo ambiente, frustração social não permanece latente. Ela circula, se amplifica e se transforma rapidamente em ação.
Em diferentes partes do mundo, levantes recentes protagonizados por jovens revelam um padrão comum: ausência de liderança formal, forte carga emocional, linguagem simbólica compartilhada e rápida conversão da indignação em mobilização. Esses movimentos não nascem necessariamente de projetos políticos estruturados, mas de ecossistemas digitais que recompensam o choque, a simplificação moral e a sensação de pertencimento imediato.
Às vésperas de 2026, o Brasil se encontra exatamente nesse cruzamento histórico. Uma juventude frustrada, um sistema de mediação política enfraquecido e uma arquitetura algorítmica que favorece a radicalização criam as condições para que conflitos sociais sejam deslocados do campo democrático para dinâmicas de instabilidade. Ignorar essa convergência não é prudência. É miopia estratégica.
A janela histórica: juventude, frustração e disponibilidade política
A juventude nunca foi, na história, um sujeito político estável. Em períodos de crescimento econômico, expansão de direitos e horizonte de futuro, tende a se integrar de forma difusa à ordem vigente. Em momentos de crise, estagnação ou bloqueio de expectativas, converte-se rapidamente em força de ruptura. Não por vocação revolucionária abstrata, mas porque ocupa estruturalmente o ponto mais sensível da reprodução social: a transição entre formação, trabalho e autonomia material.
O que as pesquisas recentes revelam no Brasil não é uma rejeição ideológica madura ao governo Lula por parte da Geração Z. O que aparece é algo mais perigoso e historicamente recorrente: frustração difusa, baixa identificação política e ausência de vínculo afetivo com a institucionalidade. Apoio frágil não significa oposição organizada. Significa disponibilidade. Um estado social intermediário no qual a indignação ainda não se converteu em projeto, mas já se desligou da confiança.
Sob a lente do materialismo histórico-dialético, esse fenômeno não pode ser explicado apenas por fatores culturais ou comunicacionais. Ele está enraizado em contradições materiais profundas. A Geração Z ingressa na vida adulta em um contexto de precarização do trabalho, encarecimento da moradia, crise climática permanente, hipercompetição educacional e sensação generalizada de futuro bloqueado. A promessa de mobilidade social, que estruturou o pacto democrático nas décadas anteriores, não se apresenta mais como horizonte concreto.
Historicamente, é nesse tipo de contexto que a juventude se torna o elo fraco da hegemonia. Não porque rejeita conscientemente a democracia, mas porque deixa de perceber nela um instrumento eficaz de transformação de sua própria condição. Quando a política institucional não oferece mediações visíveis entre esforço individual e melhoria material, abre-se um vazio. E vazios, na política, nunca permanecem vazios por muito tempo.
Essa condição de disponibilidade política é o ponto central do alerta. Ela não produz automaticamente protestos, muito menos levantes. Mas cria um terreno fértil para a captura simbólica da frustração, especialmente quando mediada por dispositivos que operam fora do tempo lento da organização política tradicional. Ao contrário das gerações anteriores, a Geração Z não espera que o conflito amadureça. Ela o vive em tempo real, sob estímulos contínuos e recompensas emocionais imediatas.
É nesse sentido que a fragilidade do apoio jovem ao governo não pode ser lida como dado eleitoral isolado. Trata-se de um indicador estrutural de vulnerabilidade democrática. Uma juventude sem mediações sólidas, submetida a pressões materiais intensas e inserida em ecossistemas digitais altamente reativos não é, por definição, um ator progressista ou conservador. É um ator em disputa.
Reconhecer essa janela histórica não é estigmatizar a juventude, nem culpabilizá-la. É compreender que, nas condições atuais, ela se tornou o principal terreno de disputa política do país. E que, sem uma resposta estratégica à altura, a frustração que hoje se expressa em distanciamento pode amanhã se converter em força de desestabilização.
O colapso da mediação política na era dos algoritmos
Durante grande parte do século XX, os conflitos sociais foram absorvidos, organizados e processados por sistemas de mediação relativamente estáveis. Partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, imprensa, universidades e igrejas funcionavam como instâncias intermediárias entre frustração social e ação coletiva. Esses espaços não eliminavam o conflito, mas o traduziam em linguagem política, o inscreviam em programas, ritmos e formas institucionais. A democracia representativa, com todas as suas limitações, operava justamente nessa zona de mediação.
Esse sistema entrou em colapso progressivo nas últimas décadas. A erosão não se deu por uma única causa, mas por uma convergência histórica: desindustrialização, precarização do trabalho, crise de legitimidade dos partidos, financeirização da economia e, sobretudo, a ascensão das plataformas digitais como principal arena de socialização, informação e disputa simbólica. O que antes era mediado por instituições passou a ser filtrado por algoritmos.
A lógica algorítmica não organiza conflitos com base em projetos, programas ou interesses de classe. Ela organiza visibilidade. Premia engajamento, intensidade emocional, polarização e repetição. Nesse ambiente, a política deixa de ser um processo de construção coletiva e passa a operar como fluxo contínuo de estímulos. O que ganha centralidade não é a capacidade de transformar a realidade, mas a capacidade de capturar atenção.
Para a Geração........