1. No meio de tantas incertezas e ameaças à democracia, começo por um sinal muito positivo: a forma como está a decorrer a transição governamental. Das declarações de Pedro Nuno Santos, na noite eleitoral e a anunciar que o PS poderia viabilizar um orçamento retificativo, à conduta de António Costa, em diversas circunstâncias e culminando com o simbólico amistoso café/encontro com Luís Montenegro em Bruxelas – tudo está a passar-se num clima de serena e sadia vivência/convivência democrática. O que creio ser muito bom para o País e a democracia, para mais num momento em que ganhou grande peso um partido que por sistema desrespeita esses e outros valores.

Assim, o novo executivo tomará posse num ambiente distendido, de “sucessão” natural, sem tensões escusadas nem dramatismo. Ao contrário do que várias vezes aconteceu, a última delas quando António Costa substituiu Passos Coelho; antes, quando António Guterres substituiu Cavaco Silva. E o desejável, para não dizer o indispensável, mormente à luz da nova composição da Assembleia da República (AR), é que tal clima se mantenha. Mais: que a relação entre os dois maiores partidos – PSD no governo, PS na oposição – seja de confronto ideológico e político, quanto a opções/decisões concretas, mas em simultâneo de respeito e abertura ao diálogo.

2. De facto, um governo de direita/centro-direita (PSD, CDS, provavelmente IL), minoritário e com menos deputados do que os do centro-esquerda/esquerda (PS, Livre, BE e PCP), se não quiser ficar nas mãos do Chega tem de dialogar e entender-se sobretudo com o PS. De imediato para a eleição do presidente da AR, cargo importante em si mesmo e que com 50 deputados do Chega no hemiciclo exige qualidades de firmeza, por um lado, e de habilidade política, por outro. Assim, não concebo que o PSD apresente um candidato sem “conversas” prévias (que não têm de ser públicas…) com o PS. E o que acontecer agora, com esta eleição, poderá constituir também um significativo sinal do que virá a seguir.

3. Recordo, aliás (e não sei se isto alguma vez foi revelado…), que quando o PRD viabilizou o primeiro governo de Cavaco Silva, não exigindo – como podia e conseguiria – ir para o governo, pôs, porém, como condição para eleger o presidente da AR a sua prévia concordância com o nome a apresentar a sufrágio. O PSD propôs o de um seu destacado “militante” e polémico dirigente. O PRD não aceitou, mas disse aceitar o de um deputado que na legislatura anterior dera provas de seriedade e independência. E foi ele, Fernando Amaral, o eleito. Exercendo o cargo com tal independência que Cavaco Silva, na legislatura seguinte, já com maioria, afastou-o…

4. Por falar no governo, a sua constituição será outro sinal importante. Uma das falhas de partida do primeiro-ministro cessante foi ter formado um executivo com vários erros de casting – e, depois, não os reparar. E Costa tinha já uma enorme experiência política, quer como ministro de várias pastas, quer, mais decisivo, como presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Pelo contrário, Montenegro não tem experiência nenhuma, a nível executivo. Assim, não havendo uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão, é para si muito relevante conseguir uma equipe governativa capaz, saber dirigi-la, tomar a curto prazo medidas com efetivo e positivo impacto público. Na campanha eleitoral, Montenegro em geral ultrapassou as expectativas que havia em relação a ele. E agora?

5. Voltando um pouco atrás. O Chega ser o partido mais votado pelos emigrantes é absolutamente extraordinário! Porque se nos países que os acolheram, a eles ou aos seus ascendentes, mandassem governos de partidos como o Chega, não seriam aí acolhidos… E, no círculo fora da Europa, a sua votação foi sobretudo expressiva no Brasil. Graças, parece, ao apoio dos fiéis de Bolsonaro, a contas com a Justiça por causa da tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do Presidente democraticamente eleito: Lula, a quem na AR o Chega xingou, chamando-lhe “ladrão”, e que prometeu, se mandasse, impedir de entrar em Portugal. E viva a comunidade luso-brasileira!

À MARGEM

Um “legado” Costa/Medina

Já referi aqui que, considerando o interesse do País, Costa priorizou os excedentes orçamentais e diminuir a dívida externa a satisfazer reivindicações de vários setores profissionais. O INE revela agora que o último excedente ultrapassou as previsões do Governo e foi o maior de sempre em democracia: 1,2% do PIB, 3 193,5 milhões de euros. Ou seja: o PS podia, ou devia, ter satisfeito algumas daquelas reivindicações (bastaria as dos professores?), e assim, quase de certeza, ganhar as eleições. Que a opção/decisão foi de António Costa e Fernando Medina – contra a vontade de, pelo menos, muitos… – ressalta de o PS admitir agora aprovar até um Orçamento retificativo para as satisfazer. Só que nem será necessário Orçamento…

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Alguns “sinais”

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27.03.2024

1. No meio de tantas incertezas e ameaças à democracia, começo por um sinal muito positivo: a forma como está a decorrer a transição governamental. Das declarações de Pedro Nuno Santos, na noite eleitoral e a anunciar que o PS poderia viabilizar um orçamento retificativo, à conduta de António Costa, em diversas circunstâncias e culminando com o simbólico amistoso café/encontro com Luís Montenegro em Bruxelas – tudo está a passar-se num clima de serena e sadia vivência/convivência democrática. O que creio ser muito bom para o País e a democracia, para mais num momento em que ganhou grande peso um partido que por sistema desrespeita esses e outros valores.

Assim, o novo executivo tomará posse num ambiente distendido, de “sucessão” natural, sem tensões escusadas nem dramatismo. Ao contrário do que várias vezes aconteceu, a última delas quando António Costa substituiu Passos Coelho; antes, quando António Guterres substituiu Cavaco Silva. E o desejável, para não dizer o indispensável, mormente à luz da nova composição da Assembleia da República (AR), é que tal clima se mantenha. Mais: que a relação entre os dois maiores partidos – PSD no governo, PS na oposição – seja de confronto ideológico e político, quanto a opções/decisões concretas, mas em........

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