Gostaria de apresentar, em vez de proposições de teor qualitativo, uma análise mais fina, quantitativa, sobre os valores da precipitação no nosso território, mês a mês, nos últimos 30 anos. No entanto, como compreendem, isolado na aposentação e vivendo no Interior, não os posso conseguir. Fico-me pelas projeções qualitativas de diminuições significativas da precipitação e com muito maior incidência no Interior, particularmente a sul do Tejo.
Com a diminuição da diferença de temperatura entre as zonas intertropical e polar, no nosso caso o padrão de comportamento do anticiclone dos Açores sofre perturbações com posicionamentos mais prolongados em latitudes um pouco mais a norte. Esses posicionamentos impõem maior número de bloqueios à circulação atmosférica vinda do Atlântico que produzem diminuição da frequência de passagens de superfícies frontais. As superfícies frontais separam ar tropical de ar polar e são responsáveis por parte muito importante da precipitação no nosso território.
Num clima como o nosso, de tipo mediterrânico, quando o inverno apresenta maior variabilidade, com maior ocorrência de um ou mais meses secos, como vem acontecendo, as estações de transição não compensam o deficit de precipitação ocorrida em um ou mais do que um dos meses de inverno. Sofremos, então, perturbações do armazenamento de águas superficiais e subterrâneas com consequências, por vezes dramáticas, no abastecimento público e perda ou diminuição da produtividade das culturas agrícolas, graves problemas na pecuária e condições ainda mais favoráveis a incêndios de grandes dimensões acentuadas pela emergência de maior número de ondas de calor. Um cortejo de impactos sanitários, económicos, sociais e ecológicos.
A seca ocorria na área continental do nosso país em quinze de cada cem anos; umas vezes mais extensa e intensa, outras menos. Em média, uma situação de seca de sete em sete anos. Com o aquecimento global, o período de recorrência de secas está a tornar-se muito menor e só a análise dos dados do que se passou nos últimos 30 anos, e sobretudo nos últimos quinze, poderá tirar conclusões com melhor aproximação.
Albufeira de Santa Águeda / Marateca: exemplo do que podemos fazer como (não) adaptação a este quadro de mudança. Abastece o concelho de Castelo Branco e partes dos concelhos de Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão e Fundão utilizando uma média de 6,5 hectómetros cúbicos por ano. As suas águas estão crescentemente eutrofizadas por atividades poluidoras em terrenos que a envolvem e, neste momento, confronta-se com as consequências previsíveis de um projeto dos Municípios de Castelo Branco e Fundão, aprovado pelo Ministério da Agricultura, de retirada de 8 hectómetros cúbicos por ano de água da albufeira para regadio de 1000 hectares em cada um daqueles concelhos. Em 2001, o Governo tinha decidido a construção de uma barragem de menores dimensões (próximo da aldeia de Barbaído) para servir de apoio à de Santa Águeda / Marateca de modo a permitir regadio. A decisão caiu no esquecimento. Até que há três anos, os Municípios de Castelo Branco e do Fundão, divulgaram o tal projeto que visava retirar-lhe mais água para regadio do que a consumida no abastecimento público. Posteriormente, a autarquia albicastrense veio a desistir da sua concretização e não sabemos que implicações e seguimento político-administrativo vai ter, agora apenas com a concordância da Câmara Municipal do Fundão.
Gestão da água, problema de fundo a que temos de acorrer.
mcosta.alves@gmail.com

QOSHE - Cata-ventos: A água e as alterações climáticas - Costa Alves
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Cata-ventos: A água e as alterações climáticas

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16.11.2023

Gostaria de apresentar, em vez de proposições de teor qualitativo, uma análise mais fina, quantitativa, sobre os valores da precipitação no nosso território, mês a mês, nos últimos 30 anos. No entanto, como compreendem, isolado na aposentação e vivendo no Interior, não os posso conseguir. Fico-me pelas projeções qualitativas de diminuições significativas da precipitação e com muito maior incidência no Interior, particularmente a sul do Tejo.
Com a diminuição da diferença de temperatura entre as zonas intertropical e polar, no nosso caso o padrão de comportamento do anticiclone dos Açores sofre perturbações com posicionamentos mais prolongados em latitudes um pouco mais a norte. Esses posicionamentos impõem maior número de bloqueios à circulação atmosférica vinda do Atlântico que produzem diminuição da frequência de passagens de superfícies frontais. As........

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