Legislativas em 2019, legislativas em 2022, legislativas em 2024. “[É preciso] determinação lúcida, exigindo convergências, superando tentações dos cada vez mais curtos ciclos eleitorais, em que mal se sai de uma eleição, logo se pensa nas seguintes.” Quem o disse foi Marcelo Rebelo de Sousa em 2017 e a constatação é que não está a funcionar.

Desde que tomou posse, o Presidente tem sido o mais audível possível sobre a necessidade de uma estabilidade política que ajude a contrariar os efeitos da crise pandémica e da guerra, favorecendo o crescimento económico que poderia ser impulsionado por um PRR que não deslizasse no cumprimento das metas. Só que Marcelo tem um problema com a realidade de um país político em que a estabilidade não é o valor primeiro, especialmente quando posto em confronto com a ideia de que ao primeiro abanão o caminho indicado é ir às urnas para “clarificar”, imaginando que depois disso se poderá voltar a falar de estabilidade...

“Ou há Orçamento, ou avanço para o processo de dissolução”, ameaçou em 2021 o Presidente da República. Cumpriu. Se num país mais nórdico se poderia ter seguido um caminho de compromisso com a negociação de um outro orçamento, em Portugal foi-se para eleições. A coisa não correu mal para a estabilidade, já que delas saiu uma maioria absoluta. E o Presidente voltou a ameaçar: “Agora que ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza que sabe que esse rosto que venceu dificilmente pode ser substituído por outra pessoa.” E, como se sabe, caiu Costa e com ele caiu o Governo, sem que se procurasse uma outra alternativa, dentro do actual quadro parlamentar.

Não podemos pôr na primeira linha de responsabilidades o Presidente por crises políticas que não criou, mas não pode deixar de ser motivo de inquietação que as suas palavras tenham repetidamente o resultado contrário daquilo que ele pretende. Como, com razoabilidade, podemos até questionar a forma como a ameaça presidencial acabou por condicionar todos os agentes políticos envolvidos.

Dito isto, não colhe a narrativa que o PS teve muito empenho para encontrar uma alternativa com outras figuras do partido ou próximas dele, como António Costa pretendeu, ao trazer o nome de Mário Centeno para cima da mesa. Basta ouvir o discurso de Carlos César, no dia 7 de Novembro, para perceber como essa foi uma história construída posteriormente. No mínimo, como disse Ferro Rodrigues, a “precipitação” é partilhada entre Marcelo e Costa. E, já agora, com um país político em que a estabilidade não é um valor precioso.

QOSHE - Um país talhado para contrariar o Presidente - David Pontes
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Um país talhado para contrariar o Presidente

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23.11.2023

Legislativas em 2019, legislativas em 2022, legislativas em 2024. “[É preciso] determinação lúcida, exigindo convergências, superando tentações dos cada vez mais curtos ciclos eleitorais, em que mal se sai de uma eleição, logo se pensa nas seguintes.” Quem o disse foi Marcelo Rebelo de Sousa em 2017 e a constatação é que não está a funcionar.

Desde que tomou posse, o Presidente tem sido o mais audível possível sobre a necessidade de uma estabilidade política que ajude a contrariar os efeitos da crise pandémica e da guerra, favorecendo o crescimento económico que poderia ser impulsionado por um PRR que não deslizasse no cumprimento das........

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