A exigência é diária, mas os períodos eleitorais exigem ainda mais aos canais de informação.

A mobilização de pessoas e de meios é geral, com a particularidade de, além de nem tudo ser política nacional, enfrentarmos duas guerras que nos exigem muita atenção e disponibilidade — disponibilidade, novamente, de pessoas e meios, mas também muita atenção à informação que transmitimos. A verificação dos factos é hoje uma preocupação generalizada; os atores hoje em confronto, na Faixa de Gaza ou na Ucrânia, são de tal forma sofisticados que têm uma, digamos, gravitas, isto é, responsabilidades governativas e institucionais, que deveriam à partida garantir maior fiabilidade a tudo o que dizem. Mas guerra é guerra e ela hoje passa claramente pela informação.

O esforço que Israel está a fazer para manter vivo o ataque terrorista de 7 de outubro ilustra bem este campo de batalha. Ainda na segunda-feira a embaixada de Israel mostrou aos media, à porta fechada, na sede da ONU, em Nova Iorque, imagens não divulgadas até agora. Não foi permitida a gravação das imagens, mas o efeito pretendido era tão-só manter fresco na memória o que aconteceu naquele terrível dia. Neste sentido, basta que numa simples peça seja recordado esse episódio bárbaro para de certa forma enquadrar a destruição em curso na Faixa de Gaza, exatamente o objetivo deste movimento de comunicação de guerra.

Repórteres e editores têm de estar muito atentos a todos estes detalhes, que na verdade não são detalhes — são correntes informativas que têm de ser compreendidas e descodificadas.

A CNN está a fazer este esforço todos os dias. Apesar do rolo compressor da atualidade, mantemos esta autoexigência de permanente reflexão jornalística: queremos corrigir depressa os erros que cometemos, mas temos um objectivo maior: evitar, tentar evitar, o erro seguinte — nestas duas guerras e não só. Um canal de informação está sempre a fechar a edição, nunca pára, daí a necessidade de mantermos sempre aberto, e de certa forma informal, este debate e reflexão internos. A informalidade também nos conduz a decisões concretas. Felizmente, o espírito crítico dos jornalistas nunca nos deixa ficar mal: há sempre alguém que comenta um assunto ou faz uma observação pertinente que nos ajuda a melhorar. Quando a “rede interna” não é reativa, a sociedade civil faz o seu trabalho. Nem sempre pelas melhores razões, mas faz.

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A CNN tem tido o mérito inegável, desculpem-me a imodéstia, de ter quebrado o isolamento informativo do nosso país. Será preciso recuar ao último quartel do século passado, com o lançamento da TSF, do Público ou da SIC, para encontrarmos uma época em que o Mundo esteve no topo dos alinhamentos. Sim, sempre houve enviados ou correspondentes dos media nacionais em guerras ou simplesmente em reportagem fora do país, alguns deles excelentes. O que nós fizemos de diferente nestes dois anos foi aumentarmos essa presença e torná-la realmente habitual. Já não é o toque e foge antigo, o chegar e voltar uns dias depois. As nossas equipas estão no terreno e aí continuarão, o que implica um enorme investimento. Não sei se a maioria das pessoas tem noção do custo, mas ele é realmente impactante. A verdade é que esta escolha melhora muito a informação que oferecemos, dá-lhe mais proximidade e credibilidade, reforça os laços com os espectadores do canal ou do site. Tanto é assim que os outros canais tiveram de seguir o mesmo caminho, embora em menor escala.

Portanto, além de acompanharmos estas duas terríveis guerras, temos agora a 10 de março eleições legislativas que acontecem num contexto muito polarizado e volátil, logo incerto. O facto de terem sido de desencadeadas na sequência de uma investigação judicial confere a este período uma exigência ainda maior do que já é habitual. A nossa obrigação jornalística coletiva será obviamente a de estarmos à altura das nossas responsabilidades editoriais, o que significa uma atenção redobrada a tudo o que é dito e feito. Serão provavelmente feitas muitas acusações — a CNN terá de as noticiar, mas também terá de as verificar. Não somos caixas de ressonância, o jornalismo não é uma rede social, temos o dever de confirmar os factos. Falamos do óbvio, mas em certos momentos é necessário verbalizar o óbvio.

A escassez de tempo pode explicar antecipadamente alguns erros que vão ser cometidos, mas não justifica que os aceitemos na cobertura jornalística. Estes dois anos de CNN foram de muito trabalho que se traduz também numa maturidade reforçada. Acontece o mesmo com o Observador, que tem feito bom caminho na rádio a partir da sua forte marca digital. Estas legislativas serão mais uma oportunidade para contribuirmos todos, a CNN e os outros media, para o debate nacional, enriquecendo-o e talvez até protegendo-o de outras escolhas e caminhos alternativos que desprotegem a democracia do nosso país. Mas sem paternalismos. Esse tempo, também no jornalismo, passou.

Podemos é fazê-lo de maneiras distintas. Mais plurais ou mais alinhados editorialmente, desde que esse contrato de confiança seja claro para os receptores. Com tanta escolha, a qualquer hora e em qualquer dispositivo, a confiança é mesmo a palavra-chave.

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Falemos de jornalismo, não (apenas) da CNN

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22.11.2023

A exigência é diária, mas os períodos eleitorais exigem ainda mais aos canais de informação.

A mobilização de pessoas e de meios é geral, com a particularidade de, além de nem tudo ser política nacional, enfrentarmos duas guerras que nos exigem muita atenção e disponibilidade — disponibilidade, novamente, de pessoas e meios, mas também muita atenção à informação que transmitimos. A verificação dos factos é hoje uma preocupação generalizada; os atores hoje em confronto, na Faixa de Gaza ou na Ucrânia, são de tal forma sofisticados que têm uma, digamos, gravitas, isto é, responsabilidades governativas e institucionais, que deveriam à partida garantir maior fiabilidade a tudo o que dizem. Mas guerra é guerra e ela hoje passa claramente pela informação.

O esforço que Israel está a fazer para manter vivo o ataque terrorista de 7 de outubro ilustra bem este campo de batalha. Ainda na segunda-feira a embaixada de Israel mostrou aos media, à porta fechada, na sede da ONU, em Nova Iorque, imagens não divulgadas até agora. Não foi permitida a gravação das imagens, mas o efeito pretendido era tão-só manter fresco na memória o que aconteceu naquele terrível dia. Neste sentido, basta que numa simples peça seja recordado esse episódio bárbaro para de certa forma enquadrar a destruição em curso na Faixa de........

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