É sempre muito difícil ter certezas sobre o que ainda não é. Mas podemos e devemos procurar dar corpo e forma a um futuro que até nos pode fintar e procurar outros caminhos.

Nenhum de nós tem dúvidas sobre a importância do uso das tecnologias na área da educação. Mas também já ninguém tem dúvidas que isso deixou de ser novidade. Dispositivos digitais, plataformas on-line, e./b./learning e os ditames das zoomcracias espalharam-se por todo o mundo, muito acelerados por força da pandemia. Mas também foi essa pandemia que deixou a descoberto as fragilidades da educação que se acreditava de acesso democratizado.

Com o “Estado em emergência” vieram ao de cima, em open-space virtual, os fossos educacionais que ainda persistem. Persistem porque se mantêm desigualdades estruturais, sociais, económicas e culturais, e porque o acesso à educação está longe de ser democratizado (a pandemia mostrou bem isso aos defensores das garantias legais e doutrinais), porque há barreiras de comunicação institucionais, em especial entre a escola e a casa dos estudantes, porque se agravaram as distâncias entre as autoridades educativas e os professores por falta de meios, de ferramentas e de competências digitais e porque isto levou-nos, a todos, a pensar sobre o que seria uma educação mais flexível e inclusiva. Por outro lado, também nos levou a definir o que há ainda por desmascarar.

A ideia do relançamento de quase tudo, após o desconfinamento, tornou-se uma mera ideia romântica e pouco séria precisamente por não se perceber que a educação depende e muito da igualdade social e económica, da discriminação positiva (inclusive dos docentes), do currículo como caminho e situado fora dos muros da escola.

A democratização da educação, muitas vezes na boca política como um dado adquirido, caiu por terra quando milhares de jovens ficaram e continuam sem a possibilidade de aceder à aprendizagem à distância. Portugal teima em chamar de ensino à distância o que deveria estar centrado na aprendizagem. A bem da verdade, isto diz muito sobre para que servem as ferramentas digitais na conceção de um sistema educativo que se quer centrado no estudante, mas que coloca a tónica no ensino, seja ele com ou sem computador, presencial ou virtual.

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Não entendam, nas minhas palavras, um desapreço pelo que fizeram os professores. Os professores foram autênticos militantes da educação inclusiva. E não é que agora, depois de termos estado dois anos a dar aulas online, o Estado vem nos exigir cursos de formação à distância para poder lecionar online? Mas não se importa que pessoas sem formação didática e pedagógica sustentada na ciência e na investigação em educação possam educar as crianças e jovens deste país. Deixarei esta questão para um debate futuro. Mas é bom que se compreenda que a pedagogia é uma ciência social. Não basta o argumento da vocação e da boa vontade.

Mas queria regressar à educação inclusiva. É essa a grande missão da educação contemporânea. A inclusão tornou-se uma prioridade, mesmo que seja de difícil entendimento esta alargada perspetiva conceptual. Incluir significa tudo. A amplitude do conceito inclusão assenta nesse trazer para dentro quem, por alguma razão, foi deixado de fora.

A ideia de uma educação inclusiva implica a compreensão do contexto. O acolhimento do diferente exige adaptações curriculares, modos específicos de trabalho por parte daqueles que irão operacionalizar o currículo e daqueles que ensinam sem saber que ensinam (referimo-nos por exemplo aos auxiliares de ação educativa). O currículo oculto tem um poder imenso perante a inclusão e a própria preocupação dos professores com os resultados académicos dos seus estudantes são pontos fundamentais para a inclusão escolar.

A cooperação e a construção de uma equipa que adapte o currículo à prática pedagógica permitirá que a ideia de inclusão não seja uma mera disposição do aluno, mas sim a sua participação na vida escolar. A escola deve incluir de modo que a reciprocidade seja real e não meramente ideal. É demasiado pobre aceitar posições liberais baseadas no desenvolvimento da boa vontade para com a diversidade e que é possível corrigir sentimentos de discriminação. Não tenho grandes dúvidas sobre o papel da inclusão na democratização da educação, mas isso não se faz sem garantir que nem um ficará de fora.

Presidente da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da Madeira

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.

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A inclusão como democratização da educação

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23.11.2023

É sempre muito difícil ter certezas sobre o que ainda não é. Mas podemos e devemos procurar dar corpo e forma a um futuro que até nos pode fintar e procurar outros caminhos.

Nenhum de nós tem dúvidas sobre a importância do uso das tecnologias na área da educação. Mas também já ninguém tem dúvidas que isso deixou de ser novidade. Dispositivos digitais, plataformas on-line, e./b./learning e os ditames das zoomcracias espalharam-se por todo o mundo, muito acelerados por força da pandemia. Mas também foi essa pandemia que deixou a descoberto as fragilidades da educação que se acreditava de acesso democratizado.

Com o “Estado em emergência” vieram ao de cima, em open-space virtual, os fossos educacionais que ainda persistem. Persistem porque se mantêm desigualdades estruturais, sociais, económicas e culturais, e porque o acesso à educação está longe de ser democratizado (a pandemia mostrou bem isso aos defensores das garantias legais e doutrinais), porque há barreiras de comunicação institucionais, em especial entre a escola e a casa dos estudantes, porque se agravaram as distâncias entre as autoridades educativas e os professores por falta de meios, de........

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