Raramente se assistiu a uma noite eleitoral como esta última, onde as previsões das sondagens, feitas à boca das urnas, indicavam, por unanimidade, uma vitória relativamente folgada da AD, desmentidas, progressivamente, pelo apuramento de resultados, ao ponto de ter pairado a dúvida sobre quem seria o partido vencedor (e ainda falta saber a quem cabem os quatro mandatos dos círculos da emigração…)

Raramente se assistiu, também, talvez com excepção do PRD eanista, a um salto quantitativo tão expressivo como o do Chega, que passou a ter uma dimensão nacional – dominante, inclusive, no distrito do Algarve -, e quadruplicou o número de votos, com mais de um milhão de eleitores.

Mas se as sondagens voltaram a falhar – tanto as anteriores à consulta eleitoral, como as do próprio dia – mais falharam os “comentadores” residentes, que se esgotaram a proteger e a incensar o PS para terem agora de “engolir” o crescimento exponencial do Chega, à custa da transferência de votos, tanto à direita como, se presume, muito à esquerda.

Raramente se viram eleições tão renhidas, tão “taco-a-taco”, onde a reviravolta esteve várias vezes à vista, ganhando a AD por uma “unha negra”, com a abstenção a situar-se em níveis que recuam a outubro de 1995. Um feito.

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Raramente se viu, também, um primeiro ministro demissionário, por acaso ainda em funções, e ex-líder do PS, improvisar uma conferência de Imprensa no hotel de acolhimento habitual dos socialistas em noite eleitoral, para, a pretexto de um abraço solidário a Pedro Nuno Santos, aproveitar a oportunidade para “adoçar” a sua própria derrota.

Teve direito a um “tempo de antena” inusitado e a perguntas dos jornalistas presentes, que mais pareciam dirigidas ao líder e não ao “militante de base”, como se intitulou, recorrendo a uma falsa humildade.

Costa perdeu a maioria absoluta “caída do céu”, que desbaratou em dois anos, e deixa um “legado” pobre demais, com o artifício das “contas certas”.

Sai de cena pela porta baixa, sem glória, com um procedimento judicial em aberto, e com baixas expectativas de vir a ocupar o tão ambicionado cargo europeu, inscrito numa pós-graduação da Universidade Católica em Contencioso Contratual, Mediação e Arbitragem para entreter o tempo e encontrar, por fim, uma actividade profissional menos política, mas, ao que parece, bastante rendosa.

No seu retiro das Caldas da Rainha, aonde se recolheu – depois de ser arredado à força por António Costa da liderança do PS – António José Seguro tem boas razões para estar feliz. Mesmo que não o diga…

Raramente numa campanha eleitoral se viu, também, tamanha mobilização dos “senadores” dos principais partidos como nestas Legislativas, em particular no centro direita, cujo desfecho ditou a mudança há muito necessária, embora de configuração frágil.

É insondável o valor do seu contributo à renascida AD, mas foi inédita a sua participação empenhada, não regateando o apoio ao espírito de mudança.

De Cavaco Silva a Passos Coelho, de Paulo Portas a Marques Mendes e a Rui Rio, de Durão Barroso a Manuela Ferreira Leite, todos “compareceram à chamada” e alinharam ao lado de Luís Montenegro, vencendo divergências passadas e unindo um espaço ideológico que andou “descosido” durante tempo demais.

Fora da Aliança por opção, os liberais fizeram o que puderam para captar votos, sobretudo dos indecisos, e ao menos mantiveram, numericamente intacta, a sua bancada, enquanto o “artilheiro-mor” do Chega subiu o tom de voz para se envaidecer com a adesão que pressentiu nas ruas.

Percebeu-se muito cedo que André Ventura não chegaria ao fim da jornada com o Chega “encolhido”, embora as sondagens insistissem no definhamento das expectativas de crescimento.

Falharam as sondagens, ganhou Ventura em toda a linha. A soma das direitas, com a vitória suada da AD de Luís Montenegro, impede para já que as esquerdas prossigam no seu projecto de colonização ideológica, com base em cartilhas gastas.

As direitas podem não ter ultrapassado de vez as suas “capelinhas” – às quais se juntou agora o revigorado Chega, ao fazer constar que, doravante, o regime abandonou o bipartidarismo -, mas, em contrapartida iniciaram um novo ciclo político, cujos contornos são ainda imperscrutáveis, podendo contar, decerto, com a resistência activa e passiva das esquerdas, bem enquistadas no aparelho de Estado.

O certo é que o tom fanfarrão e o discurso errático e contraditório do “rebelde” André Ventura, provaram a sua eficácia no terreno, e, ao contrário de inúmeros vaticínios de gente sábia, ele é um líder com o qual a direita moderada terá de saber lidar. E pôr do seu lado.

A menos que Montenegro e Pedro Nuno decidam celebrar um entendimento inesperado, convertendo a semi-vitória e a semi-derrota num bloco central, que deixaria o Chega “entalado”, ainda que líder da oposição .

Se no lugar de Pedro Nuno estivesse José Luís Carneiro, a hipótese não seria inverosímil. Mas o novel secretário geral do PS já afirmou querer ser oposição e Montenegro parece apostado em repetir a experiência de Cavaco em 1985 com um governo minoritário.

A oportunidade dada de “bandeja” pela renúncia de António Costa, há muito em “contramão”, deixa por enquanto tudo em aberto.

O problema das esquerdas, desde a “geringonça” à maioria absoluta é que, descontado o assalto ao poder, com a captura da máquina do Estado e das sinecuras que lhe estavam associadas, o acto de governar traduziu-se no empobrecimento continuado do País, quando comparado com os seus pares na União Europeia, e na degradação da administração pública, com a Saúde e a Educação à cabeça, sem esquecer a Segurança, a Justiça e a Defesa. Mesmo a Economia, revelou-se um terreno improfícuo, com as debilidades estruturais identificadas e bem notórias no tecido industrial e na agricultura.

Neste contexto, a viragem era absolutamente fundamental para retirar o país do pântano do qual, aliás, fugiu António Guterres, ao demitir-se de primeiro ministro no longínquo ano de 2001.

É pouco invejável, porém, o roteiro de Montenegro se e quando formar governo, confrontado com os estilhaços de tanto desperdício, praticado por quem gozou de uma conjuntura excepcional – e quiçá irrepetível nos tempos mais próximos -, combinando uma maioria absoluta com o mais formidável elenco de fundos europeus de que há memória.

Se em 2011 o PSD herdou um país aturdido com a possibilidade de a bancarrota a curto prazo, em 2024 do que se trata é de restabelecer a esperança e a confiança tão profundamente abaladas pelos escândalos que corromperam os governos socialistas.

Sócrates teve as artes (e o dinheiro…) para não ser julgado até hoje, uma década volvida desde que foi detido à chegada ao Aeroporto. Em contrapartida, o desgoverno de Costa já foi julgado no domingo.

No início de um novo ciclo político, é fundamental reconhecer-se que a AD venceu, ainda que à tangente, não obstante a maioria dos media ser-lhe adversa, com relevo para as televisões – e para a sua reforçada plêiade de “comentadores”-, que procuraram, afincadamente, doutrinar o eleitorado no sentido de, ao menos, dar o benefício da dúvida a Pedro Nuno Santos, e uma nova oportunidade ao PS e às esquerdas, apesar das suas responsabilidades na paralisia do país.

Um trabalho divulgado pelo Expresso neste último fim de semana, era suficientemente elucidativo, ao colocar Portugal entre as 20 economias que menos progrediram no mundo.

Há muito que se sabia estar o País à beira de ser a “lanterna vermelha” na Europa, ultrapassado até pelos pares recém-chegados à União, com um PIB per capita, à partida, muito inferior ao nosso.

Mas é uma novidade deprimente saber-se que, a nível global, figuramos entre as economias mais lentas no mundo, desde o lançamento do euro em 1999.

Tivemos um crescimento anémico no ultimo quarto de século, do qual o PS foi “dono e senhor” do poder, com uma média anual de 0,7%, se exceptuarmos o período da troika e pouco mais.

O diagnóstico desta anemia, explica-se com a fraca produtividade, uma das piores da União, e sem grandes empresas capazes de investir, inovar e qualificar o emprego.

Não admira, por isso, que o rendimento dos portugueses esteja, também, entre os mais baixos da UE, embora o salário mínimo tenha aumentado 69% no período, sem uma progressão equivalente na remuneração média.

Foi este o estado em que António Costa e os seus acólitos – entre os quais, Pedro Nuno Santos -, deixaram o País, após um longo e penoso período de governação.

Finalmente, o PSD percebeu que os sinos estavam a “tocar a rebate” e pôs de parte as suas habituais fricções e querelas internas.

A tarefa antevê-se complexa. Com a herança conhecida de uma Administração pública inchada, semeada de “boys” e “girls” fieis, agravou-se a degradação dos serviços.

O que há a mudar na Saúde, Educação, Justiça, Segurança Interna ou Defesa – e já agora nos media do Estado – vai exigir trabalhos ciclópicos e uma persistência incomum.

Perdedor e radicalizado, Pedro Nuno Santos a liderar oposição não será “pera doce”, embora se preveja que as suas características temperamentais, muito próximas das de Sócrates, provocarão, em breve, fracturas no Largo do Rato.

As esquerdas minaram o País e viciaram-no na preguiça e no pior assistencialismo. Se a legião de dependentes do Estado, desde o funcionalismo aos reformados e pensionistas, tão “mimada” pelo PS, deu já um sinal de viragem estamos no bom caminho…

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Direita volver ou a viragem anunciada…

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12.03.2024

Raramente se assistiu a uma noite eleitoral como esta última, onde as previsões das sondagens, feitas à boca das urnas, indicavam, por unanimidade, uma vitória relativamente folgada da AD, desmentidas, progressivamente, pelo apuramento de resultados, ao ponto de ter pairado a dúvida sobre quem seria o partido vencedor (e ainda falta saber a quem cabem os quatro mandatos dos círculos da emigração…)

Raramente se assistiu, também, talvez com excepção do PRD eanista, a um salto quantitativo tão expressivo como o do Chega, que passou a ter uma dimensão nacional – dominante, inclusive, no distrito do Algarve -, e quadruplicou o número de votos, com mais de um milhão de eleitores.

Mas se as sondagens voltaram a falhar – tanto as anteriores à consulta eleitoral, como as do próprio dia – mais falharam os “comentadores” residentes, que se esgotaram a proteger e a incensar o PS para terem agora de “engolir” o crescimento exponencial do Chega, à custa da transferência de votos, tanto à direita como, se presume, muito à esquerda.

Raramente se viram eleições tão renhidas, tão “taco-a-taco”, onde a reviravolta esteve várias vezes à vista, ganhando a AD por uma “unha negra”, com a abstenção a situar-se em níveis que recuam a outubro de 1995. Um feito.

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Raramente se viu, também, um primeiro ministro demissionário, por acaso ainda em funções, e ex-líder do PS, improvisar uma conferência de Imprensa no hotel de acolhimento habitual dos socialistas em noite eleitoral, para, a pretexto de um abraço solidário a Pedro Nuno Santos, aproveitar a oportunidade para “adoçar” a sua própria derrota.

Teve direito a um “tempo de antena” inusitado e a perguntas dos jornalistas presentes, que mais pareciam dirigidas ao líder e não ao “militante de base”, como se intitulou, recorrendo a uma falsa humildade.

Costa perdeu a maioria absoluta “caída do céu”, que desbaratou em dois anos, e deixa um “legado” pobre demais, com o artifício das “contas certas”.

Sai de cena pela porta baixa, sem glória, com um procedimento judicial em aberto, e com baixas expectativas de vir a ocupar o tão ambicionado cargo europeu, inscrito numa pós-graduação da Universidade Católica em Contencioso Contratual, Mediação e Arbitragem para entreter o tempo e encontrar, por fim, uma actividade profissional menos política, mas, ao que parece, bastante rendosa.

No........

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