Os pais não têm vocação para ensinar. Os pais educam, a escola ensina. Aquilo que nós sabemos fazer é mandar estudar, comprar cadernos, agasalhar os meninos e assinar os testes. E, periodicamente, fazer uma análise detalhada dos resultados. Educar é aferir, motivar, proporcionar, disciplinar, regular e aconselhar. Se o telemóvel prejudica o estudo, cabe aos pais regular o uso do telemóvel dos filhos; se as horas de dormir afetam os tempos de concentração, são os pais que devem garantir o mínimo de 9 horas de sono; se o material está todo espatifado, somos nós que devemos repor e promover a organização das malfadadas mochilas. E isto vai desde o local de estudo à alimentação, da iluminação do quarto ao uso de óculos; das horas de brincar ao horário de estudo. Também somos fiscais, tipo polícias de segurança escolar. Asseguramos que a educação de casa deve ser a que eles levam para a escola, que os horários e os trabalhos de casa são para cumprir. Garantir que eles percebam que ser malcriado com um professor, um polícia, o senhor do café ou um idoso é mesmo muito grave, e mais grave do que uma negativa. Quanto à matéria dada nas aulas, não somos explicadores dos nossos filhos nem somos nós que estamos a ser avaliados. Neste capítulo somos ajudadores nos trabalhos da escola porque somos os únicos adultos em casa. Tudo isto custa, ser pais de um aluno custa. Leva-nos bocados importantes de paciência e de tempo e requer uma dose de persistência equivalente à de um maratonista.

Aos professores compete essencialmente ensinar. E para ensinar é preciso inspirar, motivar, ao mesmo tempo que é fundamental ser respeitado, conseguir impor disciplina e ter uma dose cavalar de paciência. Ser professor tem tudo de altruísmo: é dar ao outro sem esperar nada em troca. É neste altruísmo que professores e pais se cruzam. Só que o altruísmo dos professores vem de uma vocação que só alguns têm. Ser professor sem vocação é como ser arquiteto sem saber desenhar. Aos professores não se devia exigir que educassem filhos. Eles não têm tempo. A sua vocação e horário escolar estão dedicados a passar conhecimento e ir ateando as ignições da criatividade, da curiosidade de forma a torná-las insaciáveis porque só assim se aprende.

Mas a moda é outra. A moda é que a escola eduque e ensine. Os pais entregam a sua missão básica aos professores e recorrem aos psicólogos quando as respostas não chegam. Dos telemóveis às horas de sono, da disciplina aos resultados escolares, são tudo competências parentais que estão a sair de casa pela porta dos fundos seguindo um caminho direto para a escola e para os consultórios. As missões cruzam-se como se os papeis fossem os mesmos. Desapareceram as pontes entre as duas realidades, que existiam para que fosse possível a colaboração, e estão as ser substituídas por descampados onde todos circulam sem regras. Mas os trabalhos de casa dos pais são os filhos e não o trabalho de casa dos filhos. Assim como a missão da escola é ensinar os alunos sem a necessidade de os educar a respeitar os professores. Enquanto assim for teremos cada vez mais professores a fugir da escola e cada vez mais pais a demitirem-se de serem pais.

QOSHE - O TPC dos pais são os filhos - Inês Teotónio Pereira
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O TPC dos pais são os filhos

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14.01.2024

Os pais não têm vocação para ensinar. Os pais educam, a escola ensina. Aquilo que nós sabemos fazer é mandar estudar, comprar cadernos, agasalhar os meninos e assinar os testes. E, periodicamente, fazer uma análise detalhada dos resultados. Educar é aferir, motivar, proporcionar, disciplinar, regular e aconselhar. Se o telemóvel prejudica o estudo, cabe aos pais regular o uso do telemóvel dos filhos; se as horas de dormir afetam os tempos de concentração, são os pais que devem garantir o mínimo de 9 horas de sono; se o material está todo espatifado, somos nós que devemos repor e promover a organização das malfadadas mochilas. E isto vai desde o local de estudo à alimentação, da iluminação do quarto ao uso de óculos; das horas de brincar ao horário de estudo. Também somos fiscais,........

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