O risco de "mais do mesmo"

A campanha para a escolha do secretário-geral do PS confirmou o triunfo de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios para prossseguir o pior de mais do mesmo.

“Mais do mesmo” é um acervo de ideias e opções que nos conduziram ao estado a que chegámos, presenteiro ou confortável para alguns, para alegadamente muitos no Partido Socialista, e insuficiente para quem não se resigna a que a sociedade possa ter outro nível de compromisso com a ética, as liberdades, a coesão, as oportunidades, os serviços públicos, a qualidade de vida e a sustentabilidade, qualquer que seja as suas especificidades.

A campanha eleitoral para a escolha do secretário-geral do PS, que ocorrerá no próximo fim de semana, confirmou o triunfo de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios para prosseguir o pior de mais do mesmo.

Não houve espaço para nenhuma reflexão crítica em relação ao exercício governativo dos últimos anos, à persistência de relevantes problemas estruturais sem esboço de solução ou à degradação do ambiente político e da confiança nos políticos, também impulsionados pelos casos e casinhos gerados pelo desleixo e pela presunção de superioridade da função.

Não tendo havido nenhuma repristinação de valores e princípios anteriores aos desvios ocorridos na governação, nesta e nas que as antecederam, exercitando-se até um certo desdém em relação a cercas sanitárias que, de 2011 a 2014, impediram o PS de ser mais fustigado pelos eleitores, prevaleceram os oportunismos face à oportunidade, o tribalismo partidário instalado e um exacerbado maniqueísmo em função de interesses particulares e menores.

Não houve debates públicos entre os candidatos, mas isso não impediu a verbalização de afirmações insultuosas que poderão ser utilizadas no futuro pelos adversários políticos.

Não houve nenhum pejo em concretizar transumâncias em posições políticas individuais, sem coerência ou sentido à luz do passado e do presente, cuja fundamentação só poderá ser trazida pelo algodão do futuro. A gelatinização sempre existiu, mas assumiu uma dimensão pandémica a toque da sobrevivência política, da concessão de suprimentos aos egos e ao preenchimento de expetativas futuras projetadas para uma quadratura do círculo impossível de concretizar na amálgama de interesses particulares com mínimos de bem comum.

O risco de “mais do mesmo” não advém dos protagonistas em si, mas dos seus valores, ideias e prática política, sempre enfunada pela envolvente que os projeta para a manutenção ou conquista do poder. No atual PS, o risco foi incorporado no quotidiano a partir de um exercício político que alimentou eleitorados mobilizados e fiéis, enquanto gerava desgaste no principal adversário partidário através da valorização, por ação e omissão, da extrema-direita, que até ficou sossegada nos Açores a viabilizar uma solução governativa, sem qualquer projeção nacional da solução.

Em teoria, o risco para o “mais do mesmo” é reduzido, porque há um acervo acumulado de predisposição eleitoral, mesmo quando a realidade contraria a narrativa e uma insuficiente alternativa política consolidada, mas o desgaste geral da política e a pulverização eleitoral pode projetar as expetativas para impossibilidades de solução de governo.

Porque a esquerda e a extrema-esquerda são insuficientes para gerar uma nova solução de governo, mesmo com a preservação do compromisso europeu e a aliança atlântica.

Porque a direita tem maioria, com forte ascendente de uma extrema-direita formatada para o protesto, sem noção da governação, não confiável, como se viu pelos Açores.

Porque, entre não ganhar em 2015 e desbaratar uma maioria absoluta, era preciso retirar ilações e corrigir o azimute, algo impossível para um exercício de manutenção do poder, para mais um turno. Isso é pedir demais a quem tem noção de que as expetativas dos militantes são mais importantes que as realidades, as necessidades e as perceções do país, no estado a que chegámos e no que é preciso fazer, 50 anos depois de Abril.

Ganhar o partido não é a mesma coisa do que ganhar o país, mas no atalho para o poder tudo é possível. Até uma coisa e o seu contrário. Os fins justificam todos os meios. Continuamos a andar nisto, com o desgaste que se vê no sistema democrático.

NOTAS FINAIS

AS GÉMEAS DO ICEBERGUE. Como em tanta coisa, o que se sabe é já demasiado grave aos olhos do que deveria ser o funcionamento do Estado e as interações dos cidadãos na afirmação de direitos, no cumprimento de deveres e no acesso a bens e serviços essenciais. Infelizmente, o caso das gémeas será apenas a ponta de um icebergue, pronto a abalroar um sistema político não orientado para o funcionamento regular do acesso ao básico, em qualquer ponto do território, qualquer que seja a condição e em tempo útil.

CONVICÇÕES DE UM MODERADO. Por conveniência de narrativa ou circunstância, num país com recursos finitos e uma miríade de desafios, ainda há quem ache que de supetão o Estado pode responder às necessidades e às ambições prescindindo de parte das existências do terreno, sejam elas privadas ou do terceiro setor. Ser moderado é acreditar na mobilização de recursos de forma equilibrada para responder às pessoas e aos territórios, não apenas em campanha, mas de forma sustentada no tempo e no espaço, algo só possível com diálogo e compromisso com quem já governou. Uma coisa é a conversa, concretizar respostas é outra coisa.

O EXERCITAR DA DIVERGÊNCIA. Num país, por regra acomodado e configurado para os mínimos, o exercitar da divergência cívica, política ou desportiva é saudável, mas deve respeitar mínimos de urbanidade com terceiros. O que não se pode ter é um amorfismo geral com escape tresloucado e irracional em determinadas atividades, no futebol, por exemplo.

“Mais do mesmo” é um acervo de ideias e opções que nos conduziram ao estado a que chegámos, presenteiro ou confortável para alguns, para alegadamente muitos no Partido Socialista, e insuficiente para quem não se resigna a que a sociedade possa ter outro nível de compromisso com a ética, as liberdades, a coesão, as oportunidades, os serviços públicos, a qualidade de vida e a sustentabilidade, qualquer que seja as suas especificidades.

A campanha eleitoral para a escolha do secretário-geral do PS, que ocorrerá no próximo fim de semana, confirmou o triunfo de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios para prosseguir o pior de mais do mesmo.

Não houve espaço para nenhuma reflexão crítica em relação ao exercício governativo dos últimos anos, à persistência de relevantes problemas estruturais sem esboço de solução ou à degradação do ambiente político e da confiança nos políticos, também impulsionados pelos casos e casinhos gerados pelo desleixo e pela presunção de superioridade da função.

Não tendo havido nenhuma repristinação de valores e princípios anteriores aos desvios ocorridos na governação, nesta e nas que as antecederam, exercitando-se até um certo desdém em relação a cercas sanitárias que, de 2011 a 2014, impediram o PS de ser mais fustigado pelos eleitores, prevaleceram os oportunismos face à oportunidade, o tribalismo partidário instalado e um exacerbado maniqueísmo em função de interesses particulares e menores.

Não houve debates públicos entre os candidatos, mas isso não impediu a verbalização de afirmações insultuosas que poderão ser utilizadas no futuro pelos adversários políticos.

Não houve nenhum pejo em concretizar transumâncias em posições políticas individuais, sem coerência ou sentido à luz do passado e do presente, cuja fundamentação só poderá ser trazida pelo algodão do futuro. A gelatinização sempre existiu, mas assumiu uma dimensão pandémica a toque da sobrevivência política, da concessão de suprimentos aos egos e ao preenchimento de expetativas futuras projetadas para uma quadratura do círculo impossível de concretizar na amálgama de interesses particulares com mínimos de bem comum.

O risco de “mais do mesmo” não advém dos protagonistas em si, mas dos seus valores, ideias e prática política, sempre enfunada pela envolvente que os projeta para a manutenção ou conquista do poder. No atual PS, o risco foi incorporado no quotidiano a partir de um exercício político que alimentou eleitorados mobilizados e fiéis, enquanto gerava desgaste no principal adversário partidário através da valorização, por ação e omissão, da extrema-direita, que até ficou sossegada nos Açores a viabilizar uma solução governativa, sem qualquer projeção nacional da solução.

Em teoria, o risco para o “mais do mesmo” é reduzido, porque há um acervo acumulado de predisposição eleitoral, mesmo quando a realidade contraria a narrativa e uma insuficiente alternativa política consolidada, mas o desgaste geral da política e a pulverização eleitoral pode projetar as expetativas para impossibilidades de solução de governo.

Porque a esquerda e a extrema-esquerda são insuficientes para gerar uma nova solução de governo, mesmo com a preservação do compromisso europeu e a aliança atlântica.

Porque a direita tem maioria, com forte ascendente de uma extrema-direita formatada para o protesto, sem noção da governação, não confiável, como se viu pelos Açores.

Porque, entre não ganhar em 2015 e desbaratar uma maioria absoluta, era preciso retirar ilações e corrigir o azimute, algo impossível para um exercício de manutenção do poder, para mais um turno. Isso é pedir demais a quem tem noção de que as expetativas dos militantes são mais importantes que as realidades, as necessidades e as perceções do país, no estado a que chegámos e no que é preciso fazer, 50 anos depois de Abril.

Ganhar o partido não é a mesma coisa do que ganhar o país, mas no atalho para o poder tudo é possível. Até uma coisa e o seu contrário. Os fins justificam todos os meios. Continuamos a andar nisto, com o desgaste que se vê no sistema democrático.

NOTAS FINAIS

AS GÉMEAS DO ICEBERGUE. Como em tanta coisa, o que se sabe é já demasiado grave aos olhos do que deveria ser o funcionamento do Estado e as interações dos cidadãos na afirmação de direitos, no cumprimento de deveres e no acesso a bens e serviços essenciais. Infelizmente, o caso das gémeas será apenas a ponta de um icebergue, pronto a abalroar um sistema político não orientado para o funcionamento regular do acesso ao básico, em qualquer ponto do território, qualquer que seja a condição e em tempo útil.

CONVICÇÕES DE UM MODERADO. Por conveniência de narrativa ou circunstância, num país com recursos finitos e uma miríade de desafios, ainda há quem ache que de supetão o Estado pode responder às necessidades e às ambições prescindindo de parte das existências do terreno, sejam elas privadas ou do terceiro setor. Ser moderado é acreditar na mobilização de recursos de forma equilibrada para responder às pessoas e aos territórios, não apenas em campanha, mas de forma sustentada no tempo e no espaço, algo só possível com diálogo e compromisso com quem já governou. Uma coisa é a conversa, concretizar respostas é outra coisa.

O EXERCITAR DA DIVERGÊNCIA. Num país, por regra acomodado e configurado para os mínimos, o exercitar da divergência cívica, política ou desportiva é saudável, mas deve respeitar mínimos de urbanidade com terceiros. O que não se pode ter é um amorfismo geral com escape tresloucado e irracional em determinadas atividades, no futebol, por exemplo.

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12.12.2023

O risco de "mais do mesmo"

A campanha para a escolha do secretário-geral do PS confirmou o triunfo de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios para prossseguir o pior de mais do mesmo.

“Mais do mesmo” é um acervo de ideias e opções que nos conduziram ao estado a que chegámos, presenteiro ou confortável para alguns, para alegadamente muitos no Partido Socialista, e insuficiente para quem não se resigna a que a sociedade possa ter outro nível de compromisso com a ética, as liberdades, a coesão, as oportunidades, os serviços públicos, a qualidade de vida e a sustentabilidade, qualquer que seja as suas especificidades.

A campanha eleitoral para a escolha do secretário-geral do PS, que ocorrerá no próximo fim de semana, confirmou o triunfo de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios para prosseguir o pior de mais do mesmo.

Não houve espaço para nenhuma reflexão crítica em relação ao exercício governativo dos últimos anos, à persistência de relevantes problemas estruturais sem esboço de solução ou à degradação do ambiente político e da confiança nos políticos, também impulsionados pelos casos e casinhos gerados pelo desleixo e pela presunção de superioridade da função.

Não tendo havido nenhuma repristinação de valores e princípios anteriores aos desvios ocorridos na governação, nesta e nas que as antecederam, exercitando-se até um certo desdém em relação a cercas sanitárias que, de 2011 a 2014, impediram o PS de ser mais fustigado pelos eleitores, prevaleceram os oportunismos face à oportunidade, o tribalismo partidário instalado e um exacerbado maniqueísmo em função de interesses particulares e menores.

Não houve debates públicos entre os candidatos, mas isso não impediu a verbalização de afirmações insultuosas que poderão ser utilizadas no futuro pelos adversários políticos.

Não houve nenhum pejo em concretizar transumâncias em posições políticas individuais, sem coerência ou sentido à luz do passado e do presente, cuja fundamentação só poderá ser trazida pelo algodão do futuro. A gelatinização sempre existiu, mas assumiu uma dimensão pandémica a toque da sobrevivência política, da concessão de suprimentos aos egos e ao preenchimento de expetativas futuras projetadas para uma quadratura do círculo impossível de concretizar na amálgama de interesses particulares com mínimos de bem comum.

O risco de “mais do mesmo” não advém dos protagonistas em si, mas dos seus valores, ideias e prática política, sempre enfunada pela envolvente que os projeta para a manutenção ou conquista do poder. No atual PS, o risco foi incorporado no quotidiano a partir de um exercício político que alimentou eleitorados mobilizados e fiéis, enquanto gerava desgaste no principal adversário partidário através da valorização, por ação e omissão, da extrema-direita, que até ficou sossegada nos Açores a viabilizar uma solução governativa, sem qualquer projeção nacional da solução.

Em teoria, o risco para o “mais do mesmo” é reduzido, porque há um acervo acumulado de predisposição eleitoral, mesmo quando a realidade contraria a narrativa e uma insuficiente alternativa política consolidada, mas o desgaste geral da política e a pulverização eleitoral pode projetar as expetativas para impossibilidades de solução de governo.

Porque a esquerda e a extrema-esquerda são insuficientes para gerar uma nova solução de governo, mesmo com a preservação do compromisso europeu e a aliança atlântica.

Porque a direita tem maioria,........

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