As constantes eleições de líderes radicais e populistas, em particular de direita, com o discurso de antiestablishment, acabam por ser uma espécie de ensaio de uma revolução vã por parte do eleitorado, porquanto o eleitorado está extremamente limitado por acção do legislador (constituinte ou ordinário).

É, deste modo, que Hart, na sua obra o “Conceito de Direito”, defende a tese segundo a qual “a identificação agora feita do soberano com o eleitorado de um Estado democrático não tem qualquer carácter plausível”. Hart procura, pois, associar o órgão legislativo à qualidade de soberano.

É dentro desta lógica, de diluição do povo na sua qualidade de soberano, que Schumpeter estabelece que “o método democrático é o sistema institucionalista para alcançar decisões políticas, nas quais alguns indivíduos adquirem o poder para tomar decisões através de uma luta para o voto popular”. Por isso, ainda na óptica de Schumpeter, “o papel do povo é produzir um governo”. Sartori designa essa perspectiva de Schumpeter como democracia procedimental ou democracia minimalista.

Este facto de o eleitorado não se constituir como soberano talvez seja a causa de maior desgaste e raiva do eleitorado, que utiliza, cada vez mais, as eleições para rejeitar o sistema político. Falta, ainda assim, ao eleitorado mecanismos político-jurídicos eficientes para obrigar os políticos a responder às necessidades dos cidadãos, visto que os sistemas políticos passaram a funcionar dentro de um círculo fechado de elites e dos grupos de interesses, que mobilizam os seus meios para a realização, sobretudo, dos seus respectivos interesses e das suas agendas.

Por isso, as agendas políticas já não traduzem uma agregação dos interesses presentes da sociedade, mas, sim, uma parte selectiva da sociedade, em particular dos grupos que se encontram organizados e mobilizados.

Assim, o cidadão acaba por ter como único meio de participação política, aparentemente eficaz, o seu voto e, deste modo, utiliza-o como instrumento de protesto e em favor de figuras políticas ou de partidos que se colocam na condição de antiestablishment.

Este comportamento do eleitorado não deixa de espelhar um certo desconhecimento das funções de contenção de uma arquitectura institucional, que é criado com o intuito de conter os excessos de um líder populista ou antiestablishment, através dos checks and balances e dos controlos judiciais que, muitas vezes, contrariam.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

QOSHE - A ilusão da revolução do/pelo voto - Sérgio Manuel Dundão
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A ilusão da revolução do/pelo voto

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07.12.2023

As constantes eleições de líderes radicais e populistas, em particular de direita, com o discurso de antiestablishment, acabam por ser uma espécie de ensaio de uma revolução vã por parte do eleitorado, porquanto o eleitorado está extremamente limitado por acção do legislador (constituinte ou ordinário).

É, deste modo, que Hart, na sua obra o “Conceito de Direito”, defende a tese segundo a qual “a identificação agora feita do soberano com o eleitorado de um Estado democrático não tem qualquer carácter plausível”. Hart procura, pois, associar o órgão legislativo à qualidade de soberano.

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