A campanha eleitoral, que só em nome ainda não se iniciou, devia dar-nos a oportunidade de tentar saber qual o diagnóstico que as diferentes forças políticas fazem da situação do País, e quais as medidas que consideram adequadas para resolver os problemas que tenham identificado. Mais uma vez.

Infelizmente, tendo em atenção as experiências anteriores, não espero que daí venha qualquer tipo de esclarecimento. Vamos assistir a um infindável narrar de factoides criteriosamente escolhidos para exemplificar vícios que uns vêm nos outros, ou virtudes que os próprios se atribuem. Vamos ouvir descrições de dados estatísticos, nunca totalmente analisados ou desenvolvidos, para explicar interpretações diametralmente opostas da mesma realidade.

Todos se vão acusar recíproca e mutuamente da incapacidade de resolução de problemas que se eternizam no tempo, e os mesmos todos vão fazer inúmeras promessas de resolução rápida, eficaz e satisfatória, de todos os problemas que diversas gerações atravessaram sem ter conseguido resolver.

Cada grupo vai desvalorizar os trunfos que os outros grupos vão arguir como exemplos de sucesso, tentando reduzir o seu valor e impacto, independentemente de, de facto, serem avanços importantes. Mas cada grupo vai agigantar alguns problemas que conseguir identificar e que aos olhos do eleitorado (melhor dizendo, da comunicação social e das redes sociais) aparecem como determinantes da nossa incapacidade colectiva de atingir o progresso e o bem-estar, sem cuidar que a noção que temos da verdadeira dimensão desses problemas ser distorcida por percepções individuais.

Tudo isto vai ser interessante, sem dúvida. Mas não me parece que seja esclarecedor.

Esclarecedor seria discutir como alterar o paradigma fundamental do desenvolvimento do país, assente na lógica dos baixos salários e na produção de baixo valor acrescentado, para que as nossas empresas possam competir com as suas congéneres suecas, alemãs ou francesas (ou mesmo espanholas), em vez de disputarem mercados com operadores económicos do Sudeste Asiático, que é o que leva os nossos jovens a aproveitarem as oportunidades criadas pelo Mercado Único e pela globalização e buscar soluções mais atractivas no estrangeiro.

Esclarecedor seria discutir uma verdadeira reforma da Justiça, para que fossem assegurados princípios tão básicos e fundamentais como a separação de poderes (para que nem a política interfira com a Justiça nem a Justiça interfira com a política), a presunção de inocência e o segredo de justiça (para que não se criem condições para que as pessoas sejam julgadas em praça pública antes de – ou sem que o sejam – julgados pelos tribunais, muitas vezes sem que sejam sequer formuladas acusações), a celeridade processual (para que os processos não se eternizem em prejuízo da continuidade de uma vida em condições de normalidade).

Mais. A reserva de intimidade da vida privada (para que não se verifiquem mais situações de escutas ou vigilância que se eternizam sem que sejam produzidos resultados) e que se esclareça devidamente o tema da independência do Ministério Público (que deve ser protegida e salvaguardada, mas que não deve ser confundida com uma pretensa autonomia dos Procuradores, que não deve ser independente das competências e responsabilidades da hierarquia).

Esclarecedor seria discutir a dimensão adequada do Estado e da sua interferência na actividade económica, versus a sua intervenção regulatória e redistributiva em exercício de uma função de correcção de desigualdades e assimetrias, de onde decorreria naturalmente a discussão sobre as necessidades de financiamento do Estado, da carga fiscal, da dívida pública e do défice orçamental.

Esclarecedor seria discutir a verdadeira função do SNS, a sua organização e o seu financiamento.

Esclarecedor seria discutir as condições de exercício de funções públicas a todos os níveis, adoptando políticas que as prestigiem e tornem atractivas aos melhores, abrindo perspectivas de crescimento e desenvolvimento profissional e premiando adequadamente os melhores desempenhos. E, em particular, a dignificação e adequada compensação do exercício das funções políticas, sem o que não será possível recrutar pessoal qualificado e reduzir a atractividade de tentações de corrupção.

Esclarecedor seria discutir seriamente a valorização da população em acelerado envelhecimento, incentivando as empresas a criar-lhes novas oportunidades de porem a sua experiência ao serviço da colectividade, em vez de facilitar a sua desvinculação em esquemas de pré-reforma ou similares, o que também contribuiria para melhorar a sustentabilidade da Segurança Social.

Se não tivermos a coragem de fazer estas discussões e mantivermos o debate político nos moldes actuais, dia 11 de Março estaremos provavelmente pior do que hoje.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

QOSHE - Perspectivas para o debate durante a campanha eleitoral - Rui Mayer
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Perspectivas para o debate durante a campanha eleitoral

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22.01.2024

A campanha eleitoral, que só em nome ainda não se iniciou, devia dar-nos a oportunidade de tentar saber qual o diagnóstico que as diferentes forças políticas fazem da situação do País, e quais as medidas que consideram adequadas para resolver os problemas que tenham identificado. Mais uma vez.

Infelizmente, tendo em atenção as experiências anteriores, não espero que daí venha qualquer tipo de esclarecimento. Vamos assistir a um infindável narrar de factoides criteriosamente escolhidos para exemplificar vícios que uns vêm nos outros, ou virtudes que os próprios se atribuem. Vamos ouvir descrições de dados estatísticos, nunca totalmente analisados ou desenvolvidos, para explicar interpretações diametralmente opostas da mesma realidade.

Todos se vão acusar recíproca e mutuamente da incapacidade de resolução de problemas que se eternizam no tempo, e os mesmos todos vão fazer inúmeras promessas de resolução rápida, eficaz e satisfatória, de todos os problemas que diversas gerações atravessaram sem ter conseguido resolver.

Cada grupo vai desvalorizar os trunfos que os outros grupos vão arguir como exemplos de sucesso, tentando reduzir o seu valor e impacto, independentemente de, de facto, serem avanços........

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