Há dias mandaram-me um link de uma entrevista do economista norte-americano Paul Krugman em que este dizia que o nosso país era “uma espécie de milagre económico”. “Quid juris?”, espicaçava-me o remetente na legenda.

Portugal – os portugueses e os sucessivos governos que têm escolhido – tem feito um trabalho notável na redução da sua dívida pública. O Conselho das Finanças Públicas divulgou esta semana um relatório que dá conta disso mesmo, de como o país pode chegar a 2037 com a dívida num patamar de 82,7% do seu PIB. Notável. E notável sobretudo porque resultou de um enorme esforço – com a respetiva e igualmente enorme dor – dado o ponto de falência em que as contas públicas foram deixadas pela maioria absoluta de José Sócrates.

É risível ouvir quem desvaloriza este trabalho desde o default. E suponho que também seja a este feito que Krugman se referia.

Mas contas certas não são, ou não deveriam ser, um objetivo em si mesmo. Um governante responsável sabe que as contas certas constituem a base essencial para o cumprimento das obrigações e para garantir os direitos fundamentais inscritos na Constituição. Ou seja, que são o afiar da ferramenta para garantir mais e melhor serviço aos cidadãos, em troca de uma das maiores cargas fiscais da Europa.

À medida que oito anos de governos de António Costa se aproximam, inexoravelmente, do fim, o balanço das contas certas não bate certo com o fecho de urgências, com a falta de médicos nos hospitais, com as listas de espera para cirurgias, com o aumento do número de cidadãos em risco de pobreza, com a degradação de boa parte do ensino público, de parte dos transportes públicos, de várias vertentes de assistência social ou de apoio a crianças e jovens com deficiência.

Recebi aquele link no fim de semana passado, quando estávamos nas urgências do Hospital Pediátrico da Estefânia. Tempo de espera para atendimento da pulseira verde: mais de sete horas. Pulseira amarela: cinco horas e seis minutos. Pulseira laranja (casos de alguma urgência): três horas e 47 minutos. Mais de cem números à frente para a triagem.

Paul Krugman não tem culpa de viver no Upper West Side de Nova Iorque, longe demais de Lisboa para se dar conta destas peripécias recorrentes. Olhou para os dados e tirou uma conclusão. Mas convém recordar que a economia é uma ciência social e que os números que saem do Excel assentam sempre, mais tarde ou mais cedo, em cima de pessoas de carne e osso. Às vezes com estrondo.

QOSHE - O Excel cor de rosa de Paul Krugman - Nuno Vinha
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O Excel cor de rosa de Paul Krugman

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15.12.2023

Há dias mandaram-me um link de uma entrevista do economista norte-americano Paul Krugman em que este dizia que o nosso país era “uma espécie de milagre económico”. “Quid juris?”, espicaçava-me o remetente na legenda.

Portugal – os portugueses e os sucessivos governos que têm escolhido – tem feito um trabalho notável na redução da sua dívida pública. O Conselho das Finanças Públicas divulgou esta semana um relatório que dá conta disso mesmo, de como o país pode chegar a 2037 com a dívida num patamar de 82,7% do seu PIB. Notável. E notável sobretudo porque resultou de um enorme esforço – com a........

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