A Lei n.º 10/2024, de 19 de janeiro, aprovou o “Regime Jurídico de Atos de Advogados e Solicitadores”, tendo liberalizado a prática de determinados atos jurídicos, como a consulta jurídica e a elaboração de contratos, antes reservados apenas às profissões reguladas de advogado e solicitador, a licenciados em direito e no caso da elaboração de contratos, a sociedades comerciais, desde que tais atos sejam conexos com o respetivo objeto social.

No que diz respeito à atividade de elaboração de contratos por licenciados em direito individualmente considerados ou enquanto subordinados ou prestadores de serviços em sociedades comerciais, com a limitação do seu valor que tem que ser inferior a 30 mil euros ou não implicar o cumprimento de obrigações por mais de 90 dias, a lei vincula-os ao cumprimento do dever de sigilo profissional e à proibição de atuar em conflito de interesses.

Acontece que, o legislador não prevê qualquer consequência ou forma de fiscalização da violação do sigilo da informação ou da violação da proibição de atuar em conflito de interesses.

Com efeito, por clara falha de previsão, o regime jurídico aprovado pela citada Lei n.º 10/2024, não consagrou a obrigatoriedade destes profissionais e daquelas sociedades comerciais se registarem junto da Ordem dos Advogados para efeitos de controlo e fiscalização do cumprimento daqueles deveres, o que manifestamente tem de ser alterado.

Tal omissão está, aliás, em contraste com o dever de inscrição dos profissionais e das sociedades profissionais junto das respetivas Ordens Profissionais, como estabelecem os respetivos Estatutos e o número 1 do artigo 18.º do Regime Jurídico da Constituição e Funcionamento das Sociedades de Profissionais sujeitas a Associações Públicas Profissionais, aprovado pela Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, com última redação introduzida pela Lei n.º 64/2023, de 20 de novembro, no que às sociedades profissionais diz respeito.

Surpreendentemente, o legislador nas alterações que através da Lei n.º 6/2024, de 19 de janeiro, introduziu no Estatuto da Ordem dos Advogados, prevê no número 2 da disposição transitória (art.º 5.º), a possibilidade de as sociedades profissionais cancelarem o registo na Ordem dos Advogados. Fá-lo, mais uma vez, em completa contradição com o estabelecido expressamente no Regime Jurídico da Constituição e Funcionamento das Sociedades de Profissionais, que prevê expressamente que as mesmas “respondem disciplinarmente perante a associação pública profissional em que se encontrem inscritas”.

Em suma, contradições e incongruências legislativas não faltam, em alterações feitas à pressa “em cima do joelho” e sem a necessária adequação e ponderação, as quais o próximo governo e assembleia terão que retificar rapidamente.

*Antigo presidente do Conselho Regional da Lisboa da OA (2014 a 2019)

QOSHE - A sujeição dos serviços jurídicos às regras da deontologia profissional - António Jaime Martins
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A sujeição dos serviços jurídicos às regras da deontologia profissional

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08.03.2024

A Lei n.º 10/2024, de 19 de janeiro, aprovou o “Regime Jurídico de Atos de Advogados e Solicitadores”, tendo liberalizado a prática de determinados atos jurídicos, como a consulta jurídica e a elaboração de contratos, antes reservados apenas às profissões reguladas de advogado e solicitador, a licenciados em direito e no caso da elaboração de contratos, a sociedades comerciais, desde que tais atos sejam conexos com o respetivo objeto social.

No que diz respeito à atividade de elaboração de contratos por licenciados em direito individualmente considerados ou enquanto subordinados ou prestadores de serviços em sociedades comerciais, com a limitação do seu valor que tem que ser inferior a 30 mil euros ou não........

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