As escolhas que hoje decidirão o futuro do país serão tomadas essencialmente por quatro distritos e estarão fortemente inclinadas para a faixa litoral. É nela que se concentram 175 dos eleitos, ficando a faixa interior (nela incluída o distrito de Santarém) com apenas 40. Todos sabemos que Lisboa e Porto absorvem 88 dos 230 lugares do hemiciclo, mas não sei se habitualmente nos lembramos que também distritos como Setúbal e Braga (19 deputados cada) elegem, sozinhos, mais representantes do que os seis distritos do interior raiano (somados, valem apenas 18).

Dir-se-á, e é verdade, que esta distribuição espelha a realidade de um país demograficamente assimétrico. Como mostraram os Censos 2021, um quinto da população está concentrada nos sete maiores municípios, que abrangem uma área correspondente a apenas 1,1% do território nacional.

Não é aceitável, ainda assim, que se ache adequada uma forma de representação que vai alimentando um círculo vicioso. Enfraquecido, o interior fica cada vez mais despovoado e vai perdendo os seus representantes. Sub-representado politicamente, continua a ver enfraquecida a sua voz e capacidade de influenciar decisões que contribuam para inverter o estado de coisas.

Há outras consequências desta forma de representação. Além do risco de os programas políticos falarem sobretudo para os principais círculos eleitorais, deixando de fora uma fatia considerável da população portuguesa, acentua-se o afastamento de muitos cidadãos das urnas, sentindo que as suas escolhas não têm efeito prático. Em 2022, foi o que aconteceu a mais de metade dos votos em Portalegre, que elege apenas dois deputados.

Quando amanhã o país acordar a debater questões de governabilidade e desafios imediatos resultantes das eleições, este problema será provavelmente ignorado. Como tem sido ignorada uma grande parte do país que não dá votos. Cabe ao futuro Parlamento refletir, a sério, se nele cabe todo o território que lhe compete representar.

QOSHE - Meio país ignorado - Inês Cardoso
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Meio país ignorado

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10.03.2024

As escolhas que hoje decidirão o futuro do país serão tomadas essencialmente por quatro distritos e estarão fortemente inclinadas para a faixa litoral. É nela que se concentram 175 dos eleitos, ficando a faixa interior (nela incluída o distrito de Santarém) com apenas 40. Todos sabemos que Lisboa e Porto absorvem 88 dos 230 lugares do hemiciclo, mas não sei se habitualmente nos lembramos que também distritos como Setúbal e Braga (19 deputados cada) elegem, sozinhos, mais representantes do que os........

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