A forma como alguns partidos cresceram à conta de redes sociais tem sido alvo de profusas análises, mas a médio prazo será relevante avaliar o quanto a própria política está em mudança em consequência das plataformas digitais. O que importa perceber, no fundo, é se apenas estamos a falar do modo como os atores políticos comunicam e dos canais que escolhem, ou se a forma condiciona a ponto de transformar radicalmente a mensagem e os valores.

A lógica de procurar slogans e frases capazes de gerar facilmente tração nos sites e redes já se sente há muito em momentos institucionais, incluindo os debates parlamentares. Mas investigadores como Marco Lisi, em declarações ao “Expresso”, notam outras transformações de fundo associadas à própria comunicação política, como a polarização de posições e um reforço da emotividade.

Os partidos não podem ignorar as redes e de certa forma, a julgar pelo peso que têm na ligação ao eleitorado jovem, será inevitável que as valorizem. Mas não basta adaptarem-se e dominarem as ferramentas: é essencial refletirem sobre os efeitos e as cedências que estão dispostos a fazer nesse caminho. Ou são esmagados pela máquina trituradora e tentam sobreviver no regime de bolhas que as redes criam, em que há cada vez menos chão comum e dificuldade em discutir de forma racional, ou escolhem os valores e as ideias como centro da atividade política, sem deixarem que os resultados rápidos se sobreponham à solidez e à verdade.

Há imensos fios condutores entre a ameaça aos valores democráticos que estas legislativas evidenciaram e a crise nos media, que esta semana originou a primeira greve geral de jornalistas em mais de 40 anos. Está tudo ligado, desinformação e democracia. E este é mesmo o tempo de perceber a dimensão dos desafios que temos pela frente, sabendo o quanto é difícil encontrar receitas eficazes. Se há algo que devemos evitar é o risco de simplificação quando estão em causa problemas complexos. Foi precisamente essa simplificação, somada à polarização, que nos trouxe até aqui.