A longa lista de desejos do meu filho para o Natal é uma mistura de coisas, aparentemente díspares: super-heróis, barbies que mudam de cor, legos da Frozen, do Sonic ou da Pequena Sereia, jogos de tabuleiro, um robô canino da Patrulha Pata, um macaquinho fofo que se abraça ao nosso dedo indicador e uma bicicleta a sério. Olhando para a lista, confirmei o que já observava nas suas brincadeiras: que o facto de não o condicionarmos, estabelecendo o que são brincadeiras próprias para menino e para menina, faz com que se sinta livre para gostar das duas esferas. Tanto gosta da ideia de brincar com um boneco do Homem-Aranha como com uma Barbie sereia. Pode passar horas a imaginar lutas de espadas, ensaiando coreografias de ferozes combates com adversários imaginários, pontapeando o ar e rodopiando como um ninja, como em seguida pedir que lhe pinte as unhas de cor-de-rosa. Pode ser um pirata feroz que insiste em cobrir os braços com aquelas tatuagens a fingir, falando com voz grossa com uma pala no olho, como em seguida querer colar glitter na cara como se estivesse no Carnaval do Rio.

Gosta de verde e de cor-de-rosa, de colecionar cristais e carrinhos da Hot Wheels, adora carteirinhas bordadas a missangas, bijutaria e tudo o que tem brilho, tal como gosta de escavadoras, monster trucks, das figuras da “Guerra das Estrelas”. Passou de ser um “nerd” dos veículos de construção, para ser um interessado na iconografia “nerd”. Gosta das princesas da Disney como de Pokemon, não fazendo distinção de género no que toca a brinquedos e brincadeiras. Ora isso, obviamente, estende-se à imagem que tem das pessoas reais, no sentido em que não tem uma conceção subalternizada do arquétipo feminino. Fala sempre das meninas como sendo muito destemidas e um dia até me perguntou se os homens eram tão fortes como as mulheres, por perceber que as mães (que fazem nascer os bebés) hão de ser pessoas muito valentes.

A isenção de condicionamento (pelo menos em casa) tornou-o mais livre para experimentar todas as possibilidades lúdicas e desenvolver interesses variados, sem aquela inibição que aconteceu com muitas pessoas da minha geração (e que imagino ainda aconteça amiúde). É óbvio que não é possível protegê-lo sempre desses condicionamentos culturais, que estão em toda a parte e tornar-se-ão cada vez mais óbvios. Mas o que mais me conforta é saber que pelo menos por enquanto brinca despreocupadamente e que quando, aqui ou ali, alguém faz algum comentário de censura a uma das suas brincadeiras (por ser fora do que na nossa cultura sexista prevê como sendo própria de um rapaz), ele tende a demonstrar muita segurança e tranquilidade.

Confesso que no quesito evitar-condicionamentos-de-género, estou muito orgulhosa, mas olhado novamente para a carta para o Pai Natal, acho que tenho muito trabalho a fazer no quesito refrear-o-materialismo-consumista-de-desejar-todos-os-brinquedos-do-mundo.

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Brinquedos e brincadeiras

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26.12.2023

A longa lista de desejos do meu filho para o Natal é uma mistura de coisas, aparentemente díspares: super-heróis, barbies que mudam de cor, legos da Frozen, do Sonic ou da Pequena Sereia, jogos de tabuleiro, um robô canino da Patrulha Pata, um macaquinho fofo que se abraça ao nosso dedo indicador e uma bicicleta a sério. Olhando para a lista, confirmei o que já observava nas suas brincadeiras: que o facto de não o condicionarmos, estabelecendo o que são brincadeiras próprias para menino e para menina, faz com que se sinta livre para gostar das duas esferas. Tanto gosta da ideia de brincar com um boneco do Homem-Aranha como com uma Barbie sereia. Pode passar horas a imaginar lutas de espadas, ensaiando coreografias de ferozes........

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