A evidência da ascensão da direita no último ato eleitoral trouxe-nos - ainda, a uma grande maioria de nós - o sobressalto desta escalada dever-se à extrema-direita.

O resultado eleitoral de domingo colocou-nos uma configuração parlamentar complexa quando a prioridade deve ser o garante da democracia portuguesa, aspirando, concomitantemente, a uma estabilidade política e governativa nos próximos quatro anos. Não podemos andar de crise em crise política, e social e económica por arrasto. O país não aguenta! Mas também não podemos assistir passivamente a um quadro governativo Orwelliano, em que a ala de direita politica triunfante deste escrutínio é claramente antidemocrática. Um milhão de portugueses votaram na misoginia; votaram contra o direito da IVG; votaram a favor do fim dos subsídios de maternidade e de paternidade, e contra os programas de apoio a vítimas de violência doméstica; votaram contra a autodeterminação feminina; votaram contra o direito à educação pública (querem extinguir o ministério da educação); votaram contra o SNS (e pelo encerramento de hospitais públicos); votaram contra empresas públicas de estratégia nacional (CP, TAP, Carris, água, CGD etc), ou seja votaram para que tudo vá “para o mercado”, inclusive a habitação que vive uma das maiores crises de sempre, com uma falta de investimentos social alarmante. Por outras palavras, para esta ala política, o Estado só serve para defender o dinheiro dos ricos. Portanto, a desigualdade entre pobres e ricos continua e, pior, só se pode agravar.

Votou, o milhão de leitores, a favor dos novos protagonistas da corrupção em Portugal - acham mesmo que uma gastrite se cura com aguardente? Foi o que pensou um milhão de portugueses... (Por desconhecimento?) Querem “limpar Portugal”, mas não falta neste partido, deputados e eleitores a braços com a justiça, desde condenados por violência doméstica; por tráfico de drogas; acusados de corrupção; de difamação; referenciados no Panamá papers, Vistos Gold, Operação Marquês; cultores de xenofobia e racismo (que são crimes constitucionais); dívidas fiscais ao Estado; burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais; insolventes por dívidas à banca; irregularidades na gestão de organismos públicos; “esquemas milionários”; esquemas de fraude, e apoios financeiros ao partido não declarados à AT, o que leva a crer que há financiamentos ilegais. Ou seja, que é que este partido nos traz de novo, então? Que “limpeza” se propõem fazer, afinal?

Votaram também pela pena de prisão perpétua, abolida no século XIX, no nosso país - ou seja, não acreditam no sistema prisional como um promotor de reinserção social e fomentador de reabilitação pessoal e humana; ou seja, um partido que evoca Deus e o catolicismo nas suas declarações políticas, vai contra o que defende o próprio Vaticano e o papa, que são claramente a favor da abolição desta pena.

Votou, este milhão de portugueses, contra o que denominam subsidiodependência quando esta, de que ninguém está livre de um dia vir a precisar, inclusive muitos do tal milhão de votantes na extrema-direita, tem dirimido a pobreza e a fome de algumas pessoas e famílias, em Portugal. Isto, quando se deveria pugnar, sim, pela fiscalização e justiça da atribuição desses subsídios.

Por falar em informação (em antítese com a ignorância...), saberá este milhão que no programa desta extrema-direita, que mais parece ter saído de um século longínquo, o Estado deve configurar-se como uma empresa privada, incluindo no que respeita aos vínculos de quem trabalha? Ou seja, acabou-se a contratação coletiva e todos terão contratos individuais e a prazo – todos, exceto os eleitos desta corporação política, e os seus familiares e amigos (por outras palavras, o clientelismo e o nepotismo continuarão...).

Na verdade, este milhão de pessoas não leu o programa deste partido de extrema-direita, portanto o seu ato eleitoral primou pelo desconhecimento para o qual as televisões e respectivos comentadores bem contribuíram.

Por fim, uma curiosidade (coincidência ou não): a freguesia onde este partido teve mais votos chama-se... ALGOZ.

QOSHE - Temos um milhão de Algozes? Não. - Sílvia Vasconcelos
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Temos um milhão de Algozes? Não.

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14.03.2024

A evidência da ascensão da direita no último ato eleitoral trouxe-nos - ainda, a uma grande maioria de nós - o sobressalto desta escalada dever-se à extrema-direita.

O resultado eleitoral de domingo colocou-nos uma configuração parlamentar complexa quando a prioridade deve ser o garante da democracia portuguesa, aspirando, concomitantemente, a uma estabilidade política e governativa nos próximos quatro anos. Não podemos andar de crise em crise política, e social e económica por arrasto. O país não aguenta! Mas também não podemos assistir passivamente a um quadro governativo Orwelliano, em que a ala de direita politica triunfante deste escrutínio é claramente antidemocrática. Um milhão de portugueses votaram na misoginia; votaram contra o direito da IVG; votaram a favor do fim dos subsídios de maternidade e de paternidade, e contra os programas de apoio a vítimas de violência doméstica; votaram contra a autodeterminação feminina; votaram contra o direito à educação pública (querem extinguir o ministério da educação); votaram........

© JM Madeira


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