A História de Roma associa os idos de Março ao assassinato de Júlio César (pelos senadores liderados por Brutus) iniciando uma viragem política na República. Entre nós, não houve propriamente um assassinato (embora haja quem queira por o cutelo fratricida no Ministério Público) mas sem dúvida que a 10 de março podemos presenciar o fim de uma época político-partidária. Está muito nas nossas mãos, mas também na capacidade de quem elegermos.

Há alguns condicionantes que devem levar-nos a refletir:

O sistema eleitoral proporcional propicia instabilidade porque dá azo à proliferação das representações parlamentares difíceis de conciliar num governo que não tem maioria parlamentar absoluta de um só partido que o apoie. Sem pôr em causa a forma de escolher deputados deve questionar-se o que tornou tão difícil os acordos para sustentar governos. É aliás curioso que numa época que se dizia ser pós-ideológica, ou seja, onde as diferenças partidárias tenderiam a esbater-se a dificuldade em formalizar acordos de legislatura cresceu.

Tenho para mim que há causas que explicam essa dificuldade:

Em primeiro lugar, não houve fim das ideologias, embora queiram nos dizer que elas se esvaneceram. O que hoje assistimos no Mundo politico ocidental é uma maior clivagem entre a esquerda e a direita, entre os moderados e os radicais. Os temas – as causas – podem ser outras, mas as diferenças estão aí: estamos cientes de que o nosso decréscimo demográfico é um problema ou relegamos a sua resolução para uma integração substitutiva de outras comunidades?; quanto estamos dispostos a pagar pela nossa segurança ou pelo equilíbrio ambiental num contexto internacional?; que papel confiamos ao Estado e como encaramos a iniciativa e a riqueza privada?; como lidamos com as minorias, em especial as que têm orientações distintas das nossas, quando nos batem à porta, pedindo emprego e assistência?; como vamos sustentar e prestar os serviços de saúde ou de educação?; que sublinhado damos a questões fraturantes, como a causa animal ou a ideologia de género?.

Em segundo lugar, o poder tornou-se disperso e, de alguma forma, criou espaços de irresponsabilidade. A integração em espaços geográficos alargados com as transferências de soberania e a dispersão pelas diferentes localidades de competências, em abono de uma subsidiariedade de serviço, criou um labirinto de poderes que se sobrepõem e se refugiam aumentando a entropia e a ineficiência. Note-se que nos últimos anos a total ausência de reformas politicas transformou o poder executivo num gestor de ocorrências com um conjunto de “pensos rápidos” que nada curam. Muitos dos problemas que nos assistem não se resolvem no estádio de poder que somos chamados a escolher em próximas eleições. Basta pensar na influência que os princípios da União europeia e o seu crescente poder regulamentar têm no nosso dia e dia, para verificarmos como é ilusório acreditar que é por aqui que as questões se resolvem. Vejam-se questões com a sustentabilidade das finanças publicas, a defesa da produção nacional, a politica de acessibilidades ou até os recursos para sustentar a despesa publica, para termos a noção de quanto dependemos de outros que não são eleitos por nós!

Por último e não menos importante a falta de transparência e a ideia demasiado consentida de que os quatro anos de legislatura servem para compensar os compagnons de route que nas sedes partidárias arquitetaram os seus currículos. Poucos são os que saem da vida social onde desempenham as suas funções para se abeirar da causa publica, e menos ainda são aqueles que acham que vale a pena se sacrificar nessa função. O serviço publico deixou de ser o mote e temos a sensação que por formas ínvias só se asiste a compensações de fidelidades.

Com este caldo de causas é importante esclarecer até onde estamos dispostos a ir, sem complexos nem medos!

Nesse aspeto felicito o processo esclarecedor que o PS está a colocar aos seus militantes. Não resta dúvidas para ninguém o que é que cada um dos dois principais candidatos quer e como quer. No dia 17 de dezembro saberemos o que o principal partido da esquerda deseja e como se propõe fazê-lo.

Seria importante que à direita não houvesse complexos e que a mensagem fosse também clara. Que reformas e como conseguir fazê-las. A coragem nesta matéria será premiada e a transparência nos procedimentos um indiscutível mérito.

Assim, os nossos “idos de março” poderão ser sem dúvida um momento histórico para Portugal. Assim desejo.

QOSHE - Os idos de março - Ricardo Vieira
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Os idos de março

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05.12.2023

A História de Roma associa os idos de Março ao assassinato de Júlio César (pelos senadores liderados por Brutus) iniciando uma viragem política na República. Entre nós, não houve propriamente um assassinato (embora haja quem queira por o cutelo fratricida no Ministério Público) mas sem dúvida que a 10 de março podemos presenciar o fim de uma época político-partidária. Está muito nas nossas mãos, mas também na capacidade de quem elegermos.

Há alguns condicionantes que devem levar-nos a refletir:

O sistema eleitoral proporcional propicia instabilidade porque dá azo à proliferação das representações parlamentares difíceis de conciliar num governo que não tem maioria parlamentar absoluta de um só partido que o apoie. Sem pôr em causa a forma de escolher deputados deve questionar-se o que tornou tão difícil os acordos para sustentar governos. É aliás curioso que numa época que se dizia ser pós-ideológica, ou seja, onde as diferenças partidárias tenderiam a esbater-se a dificuldade em formalizar acordos de legislatura cresceu.

Tenho para mim que há causas que explicam essa dificuldade:

Em primeiro........

© JM Madeira


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