As campanhas eleitorais valem o que valem e não sei se são a receita adequada para mobilizar indecisos e para dar consistência ao voto. Num sistema proporcional como é o nosso, a escolha não se limita a designar quem vai governar, mas fundamentalmente a escolher a composição parlamentar do parlamento donde deve sair a composição do Executivo. Daí que seja importante ler o que os partidos propõem para os próximos anos. Mesmo que as propostas eleitorais não se cinjam a questões de governo, elas poderão ter importância nos equilíbrios parlamentares que resultarem do ato eleitoral.

Nesta matéria é fundamental questionar os programas eleitorais nacionais sobre o que preveem para o regime autonómico. Nos 50 anos de democracia, é reconhecido que as autonomias insulares foram uma solução constitucional bem-sucedida. Valendo-se do equilíbrio “contratual” da Constituinte, os partidos mais à direita conseguiram introduzir preceitos que consubstanciaram um regime político novo para as ilhas, apesar das desconfianças que a Constituição à data também não deixou de transparecer.

Pode dizer-se que das duas grandes vertentes do regime constitucional para os arquipélagos portugueses, a auto-organização para decidir questões regionais conseguiu um patamar satisfatório, remetendo para os Estatutos políticos a densificação do poder legislativo e para a lei das finanças regionais o quadro fiscal e financeiro próprio. Já quanto à outra importante vertente – a obrigação do Estado promover o desenvolvimento regional minimizando as condicionantes da insularidade - muito está por fazer. O quadro constitucional não desenhou um sistema de auto-governo para as Regiões como se fossem “jangadas de pedra” atiradas ao mar, libertando o Estado da necessária coesão económica e social, mas pelo contrário corresponsabilizou os vários níveis do poder público nessa tarefa de criar equidade.

A importância dos programas nacionais dos partidos políticos quanto a esta questão genérica, desdobrada em inúmeras vertentes (acessibilidades, custos dos serviços sociais, ambiente e promoção económica, etc) cresce quando se sabe que insucedida a apressada revisão constitucional da última legislatura, a Assembleia da República volta a ter poderes constituintes essenciais para que melhor se enquadre na lei fundamental os deveres de cooperação entre o Estado e as Regiões.

É certo que entre nós assistimos aos candidatos a se esforçarem por transmitir a ideia de defesa das questões da Madeira que devam ser resolvidas a nível nacional. De facto, o que tem vindo a ser tornado público do programa dos candidatos madeirenses são cadernos reivindicativos, desejos de solução para problemas sentidos pelas populações. Só que esse abnegado esforço não encontra adequada tradução nos programas eleitorais dos partidos a que pertencem. São esparsas (ou até nulas) as linhas dedicadas às Regiões autónomas nesses programas o que é sintomático quanto ao interesse que os problemas da Madeira e dos Açores merecem das estruturas nacionais dos partidos.

O Partido Socialista no seu programa eleitoral quanto às Regiões Autónomas apresenta 10 objetivos genéricos, mais programáticos que efetivos (pag. 113 e 114). A AD apresenta duas curtas medidas (pags. 41 e 42). Nos outros partidos não consegui encontrar medidas especificas para as RA’s... Fica-nos a certeza de que as questões regionais não são muito importantes para as direções nacionais dos partidos, provavelmente até por desconhecimento. A causa desse distanciamento resulta também de uma estratégia regional de auto-suficiência e distanciamento propositado do poder político nacional. Sente-se crescente isolamento dos poderes públicos regionais no espaço nacional o que não ajuda a uma necessária visão integrada e concertada dos problemas insulares.

O papel dos deputados que elegeremos a 10 de março tem uma dificuldade acrescida: não só levar as nossas reivindicações ao espaço nacional, mas conseguir estabelecer entendimentos com o poder nacional de forma a concretizar os objetivos do Estado quanto às Regiões Autónomas. A forma como o conseguirão devia ser tema desta campanha eleitoral.

Ricardo Vieira escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.

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Autonomia: O que dizem os programas dos partidos

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25.02.2024

As campanhas eleitorais valem o que valem e não sei se são a receita adequada para mobilizar indecisos e para dar consistência ao voto. Num sistema proporcional como é o nosso, a escolha não se limita a designar quem vai governar, mas fundamentalmente a escolher a composição parlamentar do parlamento donde deve sair a composição do Executivo. Daí que seja importante ler o que os partidos propõem para os próximos anos. Mesmo que as propostas eleitorais não se cinjam a questões de governo, elas poderão ter importância nos equilíbrios parlamentares que resultarem do ato eleitoral.

Nesta matéria é fundamental questionar os programas eleitorais nacionais sobre o que preveem para o regime autonómico. Nos 50 anos de democracia, é reconhecido que as autonomias insulares foram uma solução constitucional bem-sucedida. Valendo-se do equilíbrio “contratual” da Constituinte, os partidos mais à direita conseguiram introduzir preceitos que consubstanciaram um regime político novo para as ilhas, apesar das desconfianças que a Constituição à data........

© JM Madeira


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