Como todos os madeirenses, tenho vivido este momento com tristeza. A crise política que se abateu sobre a Madeira não é um assunto apenas dos políticos, é um assunto de todos nós e com implicações nas nossas vidas, desde logo pela instabilidade governativa e orçamental que acarreta, com o consequente adiar de medidas e investimentos.

Depois, há ainda algo de mais profundo e preocupante, que se prende com o manto de suspeição que estes casos habitualmente transportam. De repente, a política é um antro de corruptos, de criminosos, de gente que não se aconselha.

É uma generalidade, e, como generalidade que é, falha a verdade e a realidade. Não, nem todos os políticos são corruptos e, mesmo perante suspeitas graves, é preciso deixar a justiça funcionar e investigar.

Mas, na verdade, há uma crise na política que abre porta a estes e a outros casos, há uma crise nos factos que acontecem e depois na forma como se reage a eles.

Como se a realidade não fosse já de si negativa, por vezes a reação a ela não ajuda a que se crie o clima de paz e normalidade que estas situações exigem e precisam. E aqui reside um problema conjuntural que parece que não está a ser entendido pela generalidade dos partidos.

Se perante um problema, os partidos colocam no topo das suas prioridades a auto sobrevivência, a corrida ao poder, o adiar de soluções e o ignorar o sentir da população, algo vai realmente muito mal na política tradicional, algo de mais profundo do que os eventuais casos de corrupção.

Aliás, a corrupção só ganha terreno num ambiente já minado por objetivos que se distanciaram da real missão da política, que é o trabalho e o serviço ao país, às regiões, aos municípios, às freguesias. Só quando se vive alheado dos verdadeiros interesses da população, e eventualmente mais preocupados em servir-se do que em servir, mais preocupados com a sobrevivência dos partidos do que com o sucesso da sociedade e da causa pública, é que deixamos terreno aberto para o avançar de outros problemas, para a criação de teias de interesses particulares. Depois, há uma onda que se agiganta e já é difícil perceber o certo do errado, o legítimo do ilegítimo.

E a resposta a isto não pode ficar entregue a discursos populistas contra a corrupção, a parangonas vazias, a julgamentos primários, à criação de uma teia de suspeição que nos lança a todos num terreno sem salvação, dentro do qual todos perdem.

Historicamente, o populismo e os discursos que apelam aos instintos primários nunca foram solução. E não é agora que vão passar a ser.

A solução passa por salvar a política de si mesma. E o salvamento só pode ser concretizado com um recentrar das prioridades da política enquanto valor supremo da democracia. A política não pode ser entendida como sendo exclusivo dos políticos, a política são todas as nossas ações como peças integrantes de uma sociedade que se organiza para que nela impere valores e objetivos comuns. A política deve centrar-se nesse serviço, nesse trabalho, nessa missão de estarmos aqui para construirmos um presente onde todos tenhamos lugar, um futuro onde todos possamos sonhar e viver, e uma história comum que nos possamos orgulhar.

QOSHE - Salvar a política - Élia Ascensão
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Salvar a política

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07.02.2024

Como todos os madeirenses, tenho vivido este momento com tristeza. A crise política que se abateu sobre a Madeira não é um assunto apenas dos políticos, é um assunto de todos nós e com implicações nas nossas vidas, desde logo pela instabilidade governativa e orçamental que acarreta, com o consequente adiar de medidas e investimentos.

Depois, há ainda algo de mais profundo e preocupante, que se prende com o manto de suspeição que estes casos habitualmente transportam. De repente, a política é um antro de corruptos, de criminosos, de gente que não se aconselha.

É uma generalidade, e, como generalidade que é, falha a verdade e a realidade. Não, nem todos os políticos são corruptos e, mesmo perante suspeitas graves, é preciso deixar a justiça funcionar e investigar.

Mas, na........

© JM Madeira


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