O chumbo do governo dos Açores, hoje anunciado pelo PS regional, termina de vez com a possibilidade de instalar um cordão sanitário em redor do Chega. A tese, defendida por alguns sociais-democratas e outros tantos socialistas, deixa de ter adesão à realidade da democracia portuguesa. Passará a resumir-se a um debate conceptual e hipotético entre artigos de opinião. O Presidente, ao que consta, é a favor da integração do partido de André Ventura no sistema político. O PSD, para seu mal, parece condenado a mudar de posição sobre a matéria consoante cada liderança. E o Partido Socialista, apesar de toda a retórica alarmista sobre Ventura, acaba por proporcionar a sua aproximação ao poder, não a impedindo quando nem uma maioria alternativa tem para apresentar aos açorianos.

A verdade, no que aos extremismos diz respeito, é que todos têm alguma da culpa e cada vez menos margem de manobra. O PSD, que inverteu o resultado eleitoral de 2020 nos Açores, não tem moral para exigir ao PS que viabilize o que ele próprio não viabilizou. A “coligação negativa” que Bolieiro quer evitar é a que ele próprio orquestrou para surripiar a vitória de Vasco Cordeiro, há quatro anos. Há dois, nas últimas legislativas antes destas, Rio admitiu à última da hora fazer exatamente o mesmo ‒ contrariando o que sempre defendera ‒ e o resultado é conhecido: a maioria absoluta de António Costa.

Para o PS, a questão pode parecer mais simples, não o sendo. Pedro Nuno Santos foi eleito secretário-geral do seu partido há menos de dois meses e um dos temas que mais dividiu a corrida foi justamente este: viabilizar ou não um executivo do PSD para afastar o Chega da governação. José Luís Carneiro defendia que sim e saiu derrotado. Pedro Nuno sempre assumiu que não e ganhou a disputa. Com que cara é que viria agora, escassas semanas depois, dizer o contrário?

O arquiteto da ‘geringonça’ está convencido de que o eleitorado do Partido Socialista que entregou sucessivos sucessos eleitorais a António Costa se encontra à esquerda, logo, profundamente avesso a qualquer compromisso do PS com o PSD. E pode não estar enganado. As suas preocupações com o aproveitamento que o Chega faria dessa aproximação entre os dois principais partidos são perfeitamente legítimas. Mas o que é, afinal, mais perigoso? Viabilizar um governo da direita democrática oferecendo a Ventura o espantalho do “centrão” para acenar na oposição? Ou não viabilizar um governo da direita democrática, obrigando-a a negociar ‒ e eventualmente governar ‒ com o Chega?

Mais sucintamente: o que é pior para a democracia? Ter o Chega por dentro ou ter Ventura por fora?

O que a última semana mostra é que, silenciosamente, o sistema político português parece encaminhar-se para um surpreendente consenso sobre esta matéria em 2024: é melhor ter a extrema-direita próxima do poder do que longe dele. E o contributo do PS, nas últimas horas, acaba por ser determinante para aqui chegarmos.

Não sei até que ponto o tal eleitorado socialista, o que Pedro Nuno Santos não quer afugentar, se revê nas consequências desta posição, que provavelmente até é a sua. O resultado, contudo, será este. Um cordão sanitário, para ser sanitário, tem de ter um nó em cada ponta. E o PS, recusando viabilizar o PSD, soltou a sua.

No imaginário ideal de alguns, o melhor dos dois mundos seria algo como: nunca viabilizar o outro maior partido e, mesmo sem ganhar ou ter maioria à esquerda, forçar reeleições até conseguir outro resultado. Mas descendo à terra ‒ neste caso, às ilhas ‒, é necessário decidir: ou se é mesmo contra a integração do Chega no regime, e se viabiliza uma vitória do PSD, ou se aceita que o Chega fará parte do jogo, e se chumba quem ganhou as eleições.

O PS, nos Açores, já escolheu.

Ventura tem a passadeira estendida para a governação ‒ e foi desenrolada pelo seu maior inimigo.

QOSHE - O fim do cordão sanitário - Sebastião Bugalho
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O fim do cordão sanitário

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10.02.2024

O chumbo do governo dos Açores, hoje anunciado pelo PS regional, termina de vez com a possibilidade de instalar um cordão sanitário em redor do Chega. A tese, defendida por alguns sociais-democratas e outros tantos socialistas, deixa de ter adesão à realidade da democracia portuguesa. Passará a resumir-se a um debate conceptual e hipotético entre artigos de opinião. O Presidente, ao que consta, é a favor da integração do partido de André Ventura no sistema político. O PSD, para seu mal, parece condenado a mudar de posição sobre a matéria consoante cada liderança. E o Partido Socialista, apesar de toda a retórica alarmista sobre Ventura, acaba por proporcionar a sua aproximação ao poder, não a impedindo quando nem uma maioria alternativa tem para apresentar aos açorianos.

A verdade, no que aos extremismos diz respeito, é que todos têm alguma da culpa e cada vez menos margem de manobra. O PSD, que inverteu o resultado eleitoral de 2020 nos Açores, não tem moral........

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