É sábado à noite em Kyiv. Chego ao hotel depois de ter participado num encontro com cerca de 200 ativistas da Plataforma Social Democrata ucraniana e reflito sobre a coragem e resistência deste povo na luta contra a invasão russa. De facto, o cenário de hoje não é aparentemente muito diferente do que facilmente poderíamos encontrar em qualquer outra capital europeia.
Jovens na rua a conviver, pessoas reunidas à mesa de jantar, nos mais diversos e vibrantes restaurantes da cidade, músicos de instrumentos às costas a sair de um ensaio, uma rapariga a posar para a câmara numa pose acrobática, em busca da fotografia perfeita para publicar nas redes sociais. Este cenário de normalidade, de uma vida em paz e em sã convivência, com respeito pela diversidade e pelas liberdades individuais é a maior ameaça a Putin. E é por isso que ele se lançou nesta guerra que é contra a Ucrânia, mas não é só contra a Ucrânia.
Alexander Etkind, historiador russo e professor universitário em Viena, descreve na sua mais recente obra como Vladimir Putin se lançou numa guerra imperialista contra a sociedade global e progressista, através de diferentes ofensivas contra países europeus, como foi o caso da Ucrânia, em 2014 e 2022, mas também a Moldávia e a Geórgia. Etkind chama-lhe a guerra da “Rússia contra a Modernidade”. Putin teme a liberdade e teme a democracia. E como tem medo da democracia, convocou este fim de semana “eleições” às quais concorre sem qualquer oposição, depois da morte ou desaparecimento dos seus principais opositores políticos, e com o único objetivo de legitimar, reforçar e perpetuar o seu poder.
A decisão política da União Europeia, logo após a invasão russa, de afirmar que o lugar e o espaço da Ucrânia é na Europa agrava o sentimento de ameaça que o regime russo vê pairar sobre si. De facto, a UE acaba de iniciar as negociações formais para a adesão e lançou o novo Mecanismo financeiro de apoio à Ucrânia, com uma dotação de 50 mil milhões de euros para os próximos três anos. É um sinal claro do compromisso europeu e do avanço deste processo tão fundamental para a consolidação democrática ucraniana.
A vitória da Ucrânia é fundamental para a própria sobrevivência política e militar da Europa, mas é também essencial para contrapor a visão autoritária e anti-modernista que Vladimir Putin se especializou em exportar para várias latitudes, em particular para os Estados Unidos e UE. Este fim de semana, em Kyiv, pude testemunhar o compromisso dos ucranianos com a luta pela liberdade, mas também na defesa da democracia.
Ver a mobilização de 200 ativistas, vindos de várias regiões, reunidos num parque de estacionamento subterrâneo, a discutirem política e a apresentarem soluções para o presente e o futuro do seu país foi uma experiência comovente e inspiradora. Contrariamente à simulação democrática de Putin, estes jovens arriscam diariamente a sua própria segurança e vencem o medo para lutarem por uma Ucrânia livre, independente e democrática.
O esforço e o risco a que se sujeitam na intransigente defesa de valores comuns – pelos quais muitos dos seus compatriotas continuam a pagar com a vida – não podem ser encarados com tibieza pelos europeus. Na verdade, por debaixo da aparente calma da capital ucraniana, reina um clima de incerteza e as marcas de dois anos de guerra fazem-se sentir nas várias conversas que pude ter estes dias. Os controlos regulares aos homens na capital, bem como o aumento das restrições de saída do país, são um sinal claro de que uma nova mobilização para a frente de combate pode estar para breve.
Para assegurar a sua vitória, a Ucrânia precisa que a UE seja resoluta e assegure o reforço do apoio militar, garantindo todos os meios necessários para se opor à invasão russa e assegurar a sua rápida libertação e independência. A vitória da Ucrânia será a evidência da oposição entre democracia e autoritarismo, entre liberdade e opressão, e por isso o nosso apoio à Ucrânia só pode ser incondicional. A Ucrânia triunfará. Slava Ukraïni.
De Kyiv, que resiste
7
2
20.03.2024
É sábado à noite em Kyiv. Chego ao hotel depois de ter participado num encontro com cerca de 200 ativistas da Plataforma Social Democrata ucraniana e reflito sobre a coragem e resistência deste povo na luta contra a invasão russa. De facto, o cenário de hoje não é aparentemente muito diferente do que facilmente poderíamos encontrar em qualquer outra capital europeia.
Jovens na rua a conviver, pessoas reunidas à mesa de jantar, nos mais diversos e vibrantes restaurantes da cidade, músicos de instrumentos às costas a sair de um ensaio, uma rapariga a posar para a câmara numa pose acrobática, em busca da fotografia perfeita para publicar nas redes sociais. Este cenário de normalidade, de uma vida em paz e em sã convivência, com respeito pela diversidade e pelas liberdades individuais é a maior ameaça a Putin. E é por isso que ele se lançou nesta guerra que é contra a Ucrânia, mas não é só contra a Ucrânia.
Alexander Etkind, historiador russo e professor universitário em Viena, descreve na sua........
© Expresso
visit website