No passado dia 10 de março, a AD ganhou as eleições legislativas, tendo o PR indigitado Luís Montenegro como primeiro-ministro. Assim, vem sendo alimentada a ideia de que Montenegro será um PM a prazo. A tese é alimentada por três grupos: primeiro, os derrotados nas eleições; segundo os opositores internos no PSD; terceiro, o líder do Chega.

Quanto aos primeiros, trata-se da reação usual de quem perde, de que temos memória recente, aquando da formação do Governo apoiado na geringonça PS/PCP/BE. Também Costa era PM a prazo, mas durou e com sucessos políticos. A tristeza dos militantes mais fervorosos, como dos adeptos de futebol, leva a que encontrem alento na ideia de que o vencedor será efémero.

Os segundos, opositores no PSD, agregam-se entre os apoiantes de Rui Rio que ficaram excluídos das listas e os órfãos de Passos Coelho, estes unidos na sede de vingança da geringonça de 2015, através de uma ponte com o Chega (via de Passos regressar, contornando os pensionistas). Todos perdem relevância numa dinâmica de poder do PSD.

O terceiro é André Ventura, habituado ao sucesso como escuteiro, estudante, doutorado, professor, candidato, líder, a quem só faltaria ser ministro. E agora, André? Como dizia o poeta, “A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou”, ficando os projetos de participação do Chega no Governo, felizmente, adiados.

Ora, apesar das dificuldades, não é certo que Luís Montenegro seja um PM a prazo. A história da nossa democracia é rica em exemplos de improvável sobrevivência de governos minoritários (Cavaco, Guterres, Costa), é certo que com menor fragmentação parlamentar.

Sendo que em 2024 haverá uma decisiva oportunidade para a queda do Governo – a rejeição do seu programa, que não acontecerá, como sinalizaram o PS e o Chega.

Numa segunda hipotética oportunidade, a discussão e votação do Orçamento de 2025, o PS não tem interesse em provocar uma crise política, que só beneficiaria o líder do PSD, para o qual transitariam votos do PS, alguns votos de arrependidos do Chega e os do ADN. O mesmo se diga do Chega, cujo resultado impõe maior ponderação no timing para provocar uma crise política – a qual dificilmente será 6 meses depois de Montenegro iniciar funções…

Ainda que por absurdo o PS e o Chega se juntem na reprovação do Orçamento, improvável face à generosidade que Montenegro revelará, não é seguro que o Presidente volte a cometer o erro de 2021 e dissolva a Assembleia…

Pelo que se Montenegro passar estas duas provas, com elevada probabilidade será PM durante 2 anos, ressalvado um qualquer ativismo do Ministério Público.

E isto pela simples razão de que a janela de oportunidade para a dissolução parlamentar é curta: o Parlamento não pode ser dissolvido nos 6 meses posteriores à sua eleição e no último semestre do mandato do Presidente da República. O que significa que o Presidente campeão das dissoluções apenas poderá dissolver dentro de cerca de 6 meses e até meados de 2025 (entra no último semestre do mandato presidencial).

Assim, a notícia da morte de Montenegro, que para surpresa coletiva e com muita sorte à mistura, vem sobrevivendo, é manifestamente exagerada.

Daqui não se retirem quaisquer razões para estarmos tranquilos: a votação massiva no Chega significa que uma elevadíssima percentagem dos portugueses está insatisfeita com o rumo do país. E um Governo do PSD sem apoio parlamentar e protestos transversais terá dificuldades em executar medidas visíveis, em curto espaço de tempo. A gestão dos hospitais, a falta de professores, a baixa oferta de casas, os vencimentos, não se resolvem de um dia para o outro, através de decreto-lei. E da conjuntura internacional antecipa-se o pior – a vitória de Trump, os efeitos da guerra na Ucrânia e em Israel, a eventual recessão na UE.

Sendo que a derrota eleitoral do PS, a vitória curta do PSD, seguida de dificuldades governativas de Montenegro, com o fator externo a perturbar, capitalizará a favor dos movimentos outrora inorgânicos, cada vez mais agregados em torno do Chega.

O sentido de responsabilidade que se exige, nesta fase, ao Presidente da República, ao futuro Primeiro-Ministro e ao líder da oposição é muito elevado. Assim saibam estar à altura, sob pena de mortis causa deixarem como único herdeiro o inefável André Ventura.

QOSHE - A governabilidade - Gonçalo Carrilho
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A governabilidade

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25.03.2024

No passado dia 10 de março, a AD ganhou as eleições legislativas, tendo o PR indigitado Luís Montenegro como primeiro-ministro. Assim, vem sendo alimentada a ideia de que Montenegro será um PM a prazo. A tese é alimentada por três grupos: primeiro, os derrotados nas eleições; segundo os opositores internos no PSD; terceiro, o líder do Chega.

Quanto aos primeiros, trata-se da reação usual de quem perde, de que temos memória recente, aquando da formação do Governo apoiado na geringonça PS/PCP/BE. Também Costa era PM a prazo, mas durou e com sucessos políticos. A tristeza dos militantes mais fervorosos, como dos adeptos de futebol, leva a que encontrem alento na ideia de que o vencedor será efémero.

Os segundos, opositores no PSD, agregam-se entre os apoiantes de Rui Rio que ficaram excluídos das listas e os órfãos de Passos Coelho, estes unidos na sede de vingança da geringonça de 2015, através de uma ponte com o Chega (via de Passos regressar, contornando os pensionistas). Todos perdem relevância numa dinâmica de poder do PSD.

O terceiro é André Ventura, habituado........

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