Se havia dúvidas, ou alguém de boa fé estava enganado, as suas palavras enquadradas pelo contraponto do Presidente Marcelo, não deixaram dúvidas ou lugar a enganos, a não ser aos que tapam os olhos para não ver... e ao que se percebe há bastantes! Três cenários estão desenhados.

O primeiro é o mais improvável, mas anda por aí… aconselhado também por gente do PS. O PS aceita o papel de parceiro menor de outro bloco central – há quem lhe chame “bloco central informal” (1) –, mesmo proclamando urbi e orbi ser o “líder da oposição”. Montenegro por aí irá, de pé atrás, mas sempre preparado para outras duas saídas.

Não parece ser boa ideia para o PS, mesmo se a possibilidade de ter o PSD na mão ser encantatória para, em momento oportuno, sacudi-lo borda fora. Terá as vantagens de que o novo Governo PSD, com as velhas ideias do PS, lhe tire algumas castanhas do lume, tapando inclusive buracos abertos por Costa e c.ia e ficando com os custos de tais operações, enquanto o Chega engorda e encurta mais o PSD! Mas também desvantagens: ficar demasiado encrustado, agarrado a soluções do PSD e pagar por isso uma factura elevada. Não estarão esquecidos que após um casamento assim (embora em posição relativa inversa) vieram as maiorias, incluindo as absolutas de Cavaco Silva!

Mas dois outros caminhos estão em cima da mesa – Montenegro sinalizou, e não só agora, por cá o “não é não”, enquanto nas ilhas, ao que parece, o não é sim. Para que o PSD e Montenegro possam cumprir o “Programa que os eleitores sufragaram” (é evidente que toma a parte pelo todo: quem o sufragou foram 1.814.021 eleitores, 28,02% – pouco mais de um quarto – dos que votaram!), Montenegro acha que os outros partidos devem fazer seu o seu Programa eleitoral, e abrir de par em par as portas ao seu governo! (Nem a Constituição da República nem nenhuma democracia parece indiciar tal imperativo!) Assim avançará com “soluções” que demagogicamente assumiu, que responderão em parte, muito parcialmente, a reclamações e situações agudas deixadas pelo PS, tanto quanto possível delimitadas e enviesadas na sua concretização em dois grandes grupos: a satisfação no imediato do grande capital com a redução dos seus impostos – ver baixa do IRC e a quem se vai aplicar –, com uma nova e favorável repartição dos dinheiros do PRR (vai usar a chantagem dos prazos de execução), com a privatização por concessões/cheques de serviços público a serem prestados por transferência para serviços privados (saúde, ensino, etc.) com o argumento de responder a urgências inadiáveis, com a acentuação das lógicas de mercado na resposta ao problema habitacional, favorecendo a especulação imobiliária e com mexidas na legislação laboral com a justificação do costume (ver solicitações de associações patronais). Este grupo de respostas terá a sustentá-lo a “forte” mas fraudulenta argumentação de pôr o país a crescer, da necessidade de um elevado crescimento económico, para reforçar a capacidade financeira do Estado (com “contas certas”) e das empresas para responder às outras promessas feitas a outros grupos profissionais e sociais. Branco é galinha o põe.

O segundo grupo de “soluções” terá, para lá de algumas migalhas iniciais, a resposta de um faseamento, atirando a sua finalização para o fim da Legislatura. Argumento: dar tempo ao crescimento económico sem desequilíbrios na gestão orçamental – nada de aceitar encargos públicos regulares sem receitas regulares (isto enquanto alivia fiscalmente o capital!). Procurará criar com as promessas apenas iniciadas na sua concretização (mas incumpridas) um ambiente de euforia sabiamente animado pela comunicação social dominante e os améns das grandes confederações patronais (agora é que vai ser... mais investimento, mais produtividade, mais exportações, mais habitação… mas depois de amanhã!), travando os “protestos” (e crescimento) do Chega que terá pouco para protestar – ver programa do Pacheco Amorim (2) – e exibindo as dificuldades de responder a tudo o que as malfeitorias do PS (muitas vão ser exibidas como novidade!) causaram e causam aos portugueses. Argumentará com as novas regras orçamentais da UE, com a crise nos nossos mercados externos e os constrangimentos da geopolítica e da guerra.

Aliás, ainda a procissão não tinha saído da igreja e já o prior alertava de que a ideia de que vamos resolver tudo porque temos os “cofres cheios” era “perigosa”, era “errada” e era mesmo “irresponsável” (3). No que foi secundado pelo padre pregador um dia depois: “As limitações orçamentais existem e exigem a todos – governantes e outros actores políticos – terem uma consciência e sentido de cumprimento desses limites”, anunciando que o Governo vai esclarecer os portugueses sobre “as disponibilidades orçamentais que existem (4)”. O Expresso tirou a inevitável conclusão: “Governo trava expectativas e pede tempo”. Boa vai ela, para os portugueses que pensaram que com Montenegro no Governo era “atar e pôr ao fumeiro”. Não, primeiro ainda vamos criar o porquinho... e depois logo se vê!

E se o PS ou o Chega não lhe viabilizarem os OE aí teremos a vítima exposta, de corda ao pescoço, disposta à degola, sem poder trabalhar para o bem/salvação dos portugueses, procurando repetir o teatro de Cavaco e Costa em busca da maioria absoluta e que tão bons resultados deu, como sabemos hoje! Se as sondagens, após beneméritas obras pró-capital e obras de beneficência para os pobres e necessitados, e muitas promessas não concretizadas por oposição dos malandros da oposição – nem (sabem) governar nem deixam governar – forem de bons augúrios, e não é difícil que aconteça, salvo manobras e campanhas maliciosas no interior e acontecimentos extraordinários no exterior, será por aí que Montenegro vai, na busca da almejada maioria absoluta, julgando que assim também limitará e sangrará o Chega.

Se as sondagens não derem luz verde no semáforo para essa via, então, mesmo com algum sacrifício de imagem, há uma autoestrada à disposição, onde poderá ser construída de raiz, e consolidada com bons alicerces, toda a política de direita, e mesmo ir além da troika (PSD, CDS, PPM), com a cooptação do Chega! É fácil a reformulação do “não é não”: o PS (a “esquerda”) fez o “bloqueio democrático”, não o “deixou trabalhar”, inviabilizou que o PSD/AD cumprisse o seu programa eleitoral, contrariamente ao que tinha dito durante a campanha eleitoral. Alterado o quadro político em que pronunciou o pleonasmo, resta o Chega. Assim, para permanecer fiel aos eleitores, dirá o PSD: lá terá que ser o Chega!

A única dúvida agora é se esta estratégia já está ou não acordada com o Chega. Mas pode não estar. O parceiro é de (elevado) risco e tem muita prosa, como foi visível naquela balbúrdia da eleição do Presidente da AR. Mas já se tem visto teatro mais conspirativo e encenação de manobras de diversão mais criativas!

Seria de espantar que bem encenada esta peça não tivesse as palavras adequadas e justas daqueles que fizeram cruzes sobre a boca e ameaçaram com o fogo do inferno quem assim procedesse. Mas as almas são muito temerosas das perdas de poder, votos, sinecuras. E assim a absolvição, mais cedo que tarde, chegaria, e nem água benta precisaria. Nascida a criançola, nem sequer o Sr. Presidente da República se atreveria em nome da santa estabilidade e governabilidade a pôr em causa o seu sucesso. A bem da nação.

Isto fica escrito na pedra. Mas para lá do direito a traçar cenários, também haverá sempre um cinzel para reescrever a história pós-10 de Março. A força do povo português já a reescreveu algumas vezes, como bem sabemos.

(1) Manuel Carvalho, “A arrogância não é exclusivo das maiorias”, Público, 04ABR24.

(2) Em recente artigo no Sol, 29MAR24, “O Chega veio para ficar”, Pacheco de Amorim enumera aspectos centrais do programa do Chega: “Alterar profundamente a máquina do Estado (...)”; “Alterar profundamente as políticas públicas de Saúde, Educação, Segurança Social (...)”; “Retirar o Estado de onde não deve estar para reforçar onde ele é indispensável é devolver aos portugueses a liberdade perdida (...)” (leia-se: tirar da saúde, educação,… e pôr na polícia…), e “Finalmente, a baixa acentuadíssima de impostos (…)”.

(3) Luís Montenegro, na tomada de posse do Governo AD.

(4) Ministro Leitão Amaro, no encontro com os OCS após o primeiro Conselho de Ministros.

QOSHE - Escrito na pedra - Agostinho Lopes
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Escrito na pedra

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08.04.2024

Se havia dúvidas, ou alguém de boa fé estava enganado, as suas palavras enquadradas pelo contraponto do Presidente Marcelo, não deixaram dúvidas ou lugar a enganos, a não ser aos que tapam os olhos para não ver... e ao que se percebe há bastantes! Três cenários estão desenhados.

O primeiro é o mais improvável, mas anda por aí… aconselhado também por gente do PS. O PS aceita o papel de parceiro menor de outro bloco central – há quem lhe chame “bloco central informal” (1) –, mesmo proclamando urbi e orbi ser o “líder da oposição”. Montenegro por aí irá, de pé atrás, mas sempre preparado para outras duas saídas.

Não parece ser boa ideia para o PS, mesmo se a possibilidade de ter o PSD na mão ser encantatória para, em momento oportuno, sacudi-lo borda fora. Terá as vantagens de que o novo Governo PSD, com as velhas ideias do PS, lhe tire algumas castanhas do lume, tapando inclusive buracos abertos por Costa e c.ia e ficando com os custos de tais operações, enquanto o Chega engorda e encurta mais o PSD! Mas também desvantagens: ficar demasiado encrustado, agarrado a soluções do PSD e pagar por isso uma factura elevada. Não estarão esquecidos que após um casamento assim (embora em posição relativa inversa) vieram as maiorias, incluindo as absolutas de Cavaco Silva!

Mas dois outros caminhos estão em cima da mesa – Montenegro sinalizou, e não só agora, por cá o “não é não”, enquanto nas ilhas, ao que parece, o não é sim. Para que o PSD e Montenegro possam cumprir o “Programa que os eleitores sufragaram” (é evidente que toma a parte pelo todo: quem o sufragou foram 1.814.021 eleitores, 28,02% – pouco mais de um quarto – dos que votaram!), Montenegro acha que os outros partidos devem fazer seu o seu Programa eleitoral, e abrir de par em par as portas ao seu governo! (Nem a Constituição da República nem nenhuma democracia parece indiciar tal imperativo!) Assim avançará com “soluções” que demagogicamente assumiu, que responderão em parte, muito parcialmente, a reclamações e situações agudas deixadas pelo PS, tanto quanto possível delimitadas e enviesadas na sua........

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