As eleições legislativas de 10 de Março somaram-se a dezenas de outros actos eleitorais nestes 50 anos de Abril. Que existiram porque Abril aconteceu. A democracia política conquistada integra eleições segundo regras constitucionais que mandam respeitar a liberdade de propaganda, a igualdade de oportunidade e de tratamento dos partidos políticos, a imparcialidade das entidades públicas, uma transformação de votos em mandatos segundo a proporcionalidade.

As campanhas eleitorais respeitando normas mínimas de equidade, não travaram, mais uma vez, a subversão das regras constitucionais, inclusive pela comunicação dominante, com a participação visível dos canais públicos. Nas sondagens manipuladas e manipulação de sondagens. Na promoção dos candidatos a 1.º Ministro (PS/PSD), com privilégios nos debates, nos noticiários, etc. Na distorção da própria campanha a partir de um “comentariado”/verborreia infinito a explicar e classificar (inclusive com pontuação numérica) o que disseram e o que querem dizer os candidatos nos debates, a leitura parcial e interesseira da forma e conteúdo das iniciativas eleitorais por uma multidão de jornalistas e comentadores claramente navegando na onda do bloco central, adornados à direita!

Pese tudo isto, e muito em particular as distorções a favor dos dois partidos com maiores votações, é preciso continuar a defender o sistema eleitoral de Abril. Que pode ter melhorias, como o de um círculo nacional de compensação, com um n.º de deputados a acrescentar aos actuais 230 que hoje são distribuídos pelos círculos eleitorais distritais para que a actual proporcionalidade não tenha novos entorses. Mas também pode ser subvertido pois são muitas as ameaças, algumas explicitadas outras escondidas, a que se deve estar atento. Caso das diversas propostas de círculos uninominais e de redução do n.º de deputados, e os riscos de um maior controlo dos Órgãos da Comunicação Social pelo capital monopolista, inclusive com propostas de privatização dos canais públicos.

Durante a campanha eleitoral nas iniciativas da CDU, no dia 06MAR24, dia do 103.º aniversário do PCP, foi distribuído um folheto alusivo àquela data, importante para os comunistas, para os trabalhadores para o país, naturalmente articulado com o acto eleitoral. Estivemos no Círculo de Braga com os trabalhadores do Hospital Sr.ª da Oliveira em Guimarães, com os feirantes e clientes na Feira semanal de V. N. de Famalicão e com os trabalhadores das empresas do Complexo Grundig em Braga e da Continental Mabor (1). Registe-se também que há ainda quem conviva mal com a democracia e com estas acções de propaganda eleitoral. Alguns (poucos, diga-se) empresários, ao fim de 50 anos de eleições, ainda tentaram criar dificuldades ao contacto e à distribuição de propaganda aos seus trabalhadores à porta das empresas. (2)

Estas acções de propaganda eleitoral trazem neste ano a inevitável memória das fraudes eleitorais e a repressão fascista às campanhas eleitorais durante a Ditadura fascista de Salazar e Caetano. O que aconteceria nesses tempos, a que alguns querem regressar, a quem realizasse acções de campanha eleitoral semelhantes?! Mas se é uma memória ainda hoje bem presente em muitos portugueses, é também já para muitos e muitos o que nunca existiu, a não ser nalguns livros de história…

É obrigatório que os 50 anos de Abril sejam festa, a festa de Democracia e da Liberdade. O que exige levantar à luz do sol de Abril a memória, a terrível memória do fascismo, toda a memória desses tempos de má memória! A olhar para o futuro que queremos construir com os valores de Abril.

Com as eleições, mesmo com as anomalias eleitorais de comportamentos e oportunismos da política de direita e das forças de direita, comemoramos também a democracia política reconquistada. Mas Abril foi também um forte golpe na exploração do trabalho e dos trabalhadores portugueses, mesmo se não lhe pôs fim. Nomeadamente logo no pós-25 de Abril, com a criação do Salário Mínimo. É necessário comemorarmos também essa dimensão proletária e popular de Abril contra a exploração pelo capital. E o que de melhor, nos 50 anos de Abril, que responder, de forma efectiva e imediata, à emergência nacional do aumento de salários, que tão viva esteve na campanha eleitoral graças à presença e visibilidade que o PCP lhe assegurou. Mas presente também em muitas promessas e boas intenções anunciadas. Mesmo se foram anúncios na sua maioria enviesados, de facto falsos aumentos de salários, quer pelo conteúdo das propostas quer pelos prazos referidos para a concretização dos aumentos.

Houve quem no decurso da campanha não percebesse, ou melhor não quisesse perceber, ou até fizesse humor, incluindo neste órgão de informação, com o que o SG do PCP Paulo Raimundo afirmou muitas vezes: «Para aumentar salários é preciso… aumentar salários!»

De facto, depois de reconhecerem de forma quase universal a necessidade dos trabalhadores portugueses verem os salários aumentar, foram muitos os embustes e negaças, e puras mentiras avançadas, para fazer de conta que defendiam o aumento de salários. Os que fazem o aumento com a descida de impostos e redução da TSU (IL e PSD, PS)! Ou colocando os «descontos patronais no recibo de vencimento» dos trabalhadores (IL). Os que anunciam um «prémio salarial» disfarçado de 15.º mês, compensando aumentos de produtividade (CIP). Os que deram novos «benefícios fiscais» para as empresas que façam aumentos de salários (Governo PS). Os que acham que a forma de completar baixos salários se faz com «subsídios da Segurança Social» (PS). Os que prometem aumentos, mas lá para o fim do mandato, quando as galinhas... quer dizer, quando a produtividade aumentar, como se tal dependesse do trabalhador! E etc...

Não. O que é preciso é aumentar o salário directo, aquele que o patrão paga no fim do mês, sujeito a descontos para a Segurança Social e retenção na fonte de IRS se for caso disso! E assim, também, contribuir para assegurar uma boa sustentabilidade do sistema público da Segurança Social.

Um aumento da salários para que a generalidade das famílias dos trabalhadores portugueses viva com dignidade e não sufocada por dívidas e dificuldades na resposta às suas necessidades básicas. Um aumento de salário que incorpore o aumento extraordinário do salário das mulheres portuguesas e ponha fim à iniquidade da desigualdade salarial. Para combater a emigração dos nossos jovens, nomeadamente dos mais qualificados. E assim também se responder ao inverno demográfico que atinge o país. Para eliminar a vergonha nacional dos trabalhadores pobres, que não se deve fazer com apoios sociais. Para que o direito à habitação tenha mais uma eficaz via de realização. Para que o combate à dita pobreza energética, entre outros aspectos, resulte da capacidade financeira do agregado familiar. E sem descurar outras medidas de emergência, a imperiosa necessidade de um seguro e permanente combate ao flagelo da pobreza e da pobreza infantil exige aumentos gerais e significativos de salários. Aumentar salários também para um mercado interno solvável capaz de dinamizar a procura junto das MPME empresas portuguesas.

O aumento real e já dos salários directos dos trabalhadores é o eixo central de qualquer política que queira responder aos problemas mais cruciais do país hoje. Sem ele nada feito. A luta dos trabalhadores portugueses terá um papel decisivo neste desfecho.

P.S: este texto estava redigido antes do acto eleitoral. A reflexão dos seus resultados fica para outro momento, com uma pequena nota: o PS e também o PSD precisam de explicar ao país como é que as políticas dos seus governos levaram, ao fim de algumas décadas de democracia, a que mais de um milhão de portugueses votasse no Chega!

(1) Assinale-se que esta intervenção política do PCP, com os candidatos e activistas da CDU à porta das empresas e instalações de serviços público, não se limita aos actos eleitorais. Como é sabido, mas pouco divulgado pelos media, é uma prática regular dos seus deputados que ao longo dos mandatos prestam contas e informam das suas propostas e actividades com a distribuição de folhetos e contacto com os trabalhadores.

(2) É difícil de perceber que o que deveria ser acolhido e saudado como empenhamento cívico democrático, em eleições ou fora de período eleitoral, seja dificultado. Mas foi o que ainda aconteceu junto da Têxteis Pizarro (Brito), do Continente (Taipas), da Herdmar (Barco, São Cláudio), todas em Guimarães. Nas duas últimas empresas com a chamada para a intervenção da GNR e pedido de identificação de candidatos. O «crime» de estarem para lá do risco da entrada da empresa, ou com umas três bandeiras na rede do muro da empresa...

QOSHE - Abril sempre, fascismo nunca mais - Agostinho Lopes
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Abril sempre, fascismo nunca mais

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11.03.2024

As eleições legislativas de 10 de Março somaram-se a dezenas de outros actos eleitorais nestes 50 anos de Abril. Que existiram porque Abril aconteceu. A democracia política conquistada integra eleições segundo regras constitucionais que mandam respeitar a liberdade de propaganda, a igualdade de oportunidade e de tratamento dos partidos políticos, a imparcialidade das entidades públicas, uma transformação de votos em mandatos segundo a proporcionalidade.

As campanhas eleitorais respeitando normas mínimas de equidade, não travaram, mais uma vez, a subversão das regras constitucionais, inclusive pela comunicação dominante, com a participação visível dos canais públicos. Nas sondagens manipuladas e manipulação de sondagens. Na promoção dos candidatos a 1.º Ministro (PS/PSD), com privilégios nos debates, nos noticiários, etc. Na distorção da própria campanha a partir de um “comentariado”/verborreia infinito a explicar e classificar (inclusive com pontuação numérica) o que disseram e o que querem dizer os candidatos nos debates, a leitura parcial e interesseira da forma e conteúdo das iniciativas eleitorais por uma multidão de jornalistas e comentadores claramente navegando na onda do bloco central, adornados à direita!

Pese tudo isto, e muito em particular as distorções a favor dos dois partidos com maiores votações, é preciso continuar a defender o sistema eleitoral de Abril. Que pode ter melhorias, como o de um círculo nacional de compensação, com um n.º de deputados a acrescentar aos actuais 230 que hoje são distribuídos pelos círculos eleitorais distritais para que a actual proporcionalidade não tenha novos entorses. Mas também pode ser subvertido pois são muitas as ameaças, algumas explicitadas outras escondidas, a que se deve estar atento. Caso das diversas propostas de círculos uninominais e de redução do n.º de deputados, e os riscos de um maior controlo dos Órgãos da Comunicação Social pelo capital monopolista, inclusive com propostas de privatização dos canais públicos.

Durante a campanha eleitoral nas iniciativas da CDU, no dia 06MAR24, dia do 103.º aniversário do PCP, foi distribuído um folheto alusivo àquela data, importante........

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