Depois do Congresso do Chega, a generalidade da comunicação social derramou-se, para lá dos aspectos noticiosos, em comentários. Tudo normal. Uma jornalista do Público (1) escreveu um artigo notável. Está lá tudo. O que o Chega herdou do CDS (beneficiários do RSI, ex-combatentes, saudosistas do ultramar, etc). Lembra o PSD e o CDS, como abrigo, depois do 25 de Abril, de muitos dos que tinham apoiado, ou aderido mesmo, ao 28 de Maio e à ditadura e ao fascismo. Refere e bem, a lenda falsa "segundo a qual um país inteiro esteve a combater em silêncio a ditadura". Refere que "Portugal não acordou de repente com um monte de fascistas, xenófobos e racistas", porque, como afirma com a toda a verdade: "Sempre cá estiveram". (basta ver o percurso político do Deputado do Chega Pacheco de Amorim). E à interrogação se o Chega pode engolir, eliminar "os “PS” e os “PSD” locais", tal como aconteceu na França, responde: "Sim, pode." Até porque considera que a "direita “civilizada” que sempre os abrigou perdeu elán, deixou de ter líderes agregadores", o que sendo discutível não deixa de fazer sentido. E põe a nu as pretensas "gabardines de “moderação”" que o Ventura envergou em Viana.

A questão é que quando chega ao momento de tirar a lição de “moral política”, a jornalista espalha-se ao comprido: "Se o “Chega” também serve de partido de protesto, o que andou a esquerda a fazer?". O que diria a jornalista se escrevêssemos: os jornalistas passam a vida a fazer o frete ao Chega!?

Não é possível em geral, mas as coisas assumem outra gravidade em períodos eleitorais, aceitar que persista a "moda jornalística" de "meter tudo no mesmo saco", ou numa linguagem mais chã "não pôr os nomes aos bois"! Que "esquerda" é aquela de que não se conhece a actividade de protesto??? Toda a "esquerda"? Mesmo o PCP, que a muitas outras coisas que faz soma sempre o protesto, incluindo de rua (e não, não queremos sequer dizer que somos os únicos!)? Nesta coisa do protesto partidário será possível confundir o PCP com o PS que faz políticas de direita? Tem a certeza de que não há diferenças substantivas na forma de intervir que separam o PCP do PS?Aquele PS que não faz protestos contra aquilo que permite ao Chega arvorar-se em partido dos pobres e dos pensionistas, dos portugueses sem casa e dos utentes sem médicos de família e/ou na lista de espera, dos professores a quem não chega a recuperação do tempo de serviço, ou da falta de resposta às justas reclamações das forças de segurança, e etc. E não faz protestos porque então tinha que protestar contra si próprio, como o PSD também os não faz porque de facto só da boca para fora é que estão em desacordo com a política dos governos PS!

Se há pedagogia política a fazer pelo jornalismo, então que assumam a responsabilidade de referir, sempre, o nome de cada partido, em vez de os subsumir numa nova espécie de substantivos colectivos: "esquerda", "políticos" "deputados", quando não "assembleia da república", rasando, igualando, uniformizando, tudo e todos. E, como se sabe, onde todos são responsáveis ninguém tem responsabilidades!

Esta onda jornalística é coisa velha, e todos os dias, ou quase, faz a sua aparição. É claro que dá jeito a alguns… simplifica argumentos e distribui as culpas… Fica mais pesado para alguns, e muito leve, levezinho, para outros….

Os exemplos multiplicam-se. A propósito dos protestos das forças policiais, lá veio o jornalista Vítor Rainho, que certamente não se confunde com a Ana Sá Lopes, titular um artigo no Sol "A esquerda não gosta da Polícia nem das FA`s" (2), em contraposição ao Chega, que pela Polícia e FA`s parece ter um amor assolapado! E cita, em abono do seu título, um oficial da polícia (que considera "próximo do PCP") que fica "com urticária por perceber que os polícias só têm o Ventura para os defender"!

Assim, ao calhas, lembra-se também o Editorial do Expresso de 22 de Dezembro de 2023, "A vitória do populismo" de Miguel Cadete (3). Que de forma muito directa explica as razões ou causas do "populismo". Nada mais nada menos, porque "Entretanto cresce um silêncio ensurdecedor sobre como fazer o país crescer. Da desigualdade, da sustentabilidade, da transição digital, ou da nova mobilidade, habitação, educação ou saúde deixou de se ouvir falar.". Isto é, todos os "partidos", todos os "políticos" fizeram voto de silêncio em Dezembro sobre aquelas cruciais questões da situação do país! E só podemos acreditar que não está a brincar connosco, porque se deve ter ausentado do país (férias na neve???) e fez fé no artigo de opinião do seu colega Henrique Monteiro!

Esta "moda", ou lá o que é, incapacidade, desleixo, simplismo, preguiça, … vício jornalístico certamente, de não separar, diferenciar, discernir o que é separável, diferente, discernível, parece que se pega! Muitos são, mesmo não sendo todos, os contaminados! Para mal da democracia…. e dos jornais!

(1) Ana Sá Lopes, "Chega, Ventura e o partido do avô fascista e dos seus netos", Público, 14JAN24.

(2) Vítor Reininho, "A esquerda não gosta da Polícia nem das FA´s", Sol, 12JAN24.

(3) Miguel Cadete, "A vitória do populismo", Expresso, 22DEZ23.

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“O que andou a esquerda a fazer”???

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23.01.2024

Depois do Congresso do Chega, a generalidade da comunicação social derramou-se, para lá dos aspectos noticiosos, em comentários. Tudo normal. Uma jornalista do Público (1) escreveu um artigo notável. Está lá tudo. O que o Chega herdou do CDS (beneficiários do RSI, ex-combatentes, saudosistas do ultramar, etc). Lembra o PSD e o CDS, como abrigo, depois do 25 de Abril, de muitos dos que tinham apoiado, ou aderido mesmo, ao 28 de Maio e à ditadura e ao fascismo. Refere e bem, a lenda falsa "segundo a qual um país inteiro esteve a combater em silêncio a ditadura". Refere que "Portugal não acordou de repente com um monte de fascistas, xenófobos e racistas", porque, como afirma com a toda a verdade: "Sempre cá estiveram". (basta ver o percurso político do Deputado do Chega Pacheco de Amorim). E à interrogação se o Chega pode engolir, eliminar "os “PS” e os “PSD” locais", tal como aconteceu na França, responde: "Sim, pode." Até porque considera que a "direita “civilizada” que sempre os abrigou perdeu elán, deixou de ter líderes agregadores", o que sendo discutível não deixa de fazer sentido. E põe a nu as pretensas "gabardines de “moderação”" que o Ventura envergou em Viana.

A questão é que quando chega ao momento de tirar a lição de “moral política”, a jornalista........

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