Na próxima quinta-feira, dia 25 de abril, celebra-se S. Marcos, o evangelista deste Ano Litúrgico (Ano B). A sua relevância não lhe vem tanto das certezas do que acerca dele conhecemos, mas sobretudo do facto de ser o autor do Segundo Evangelho1 e, por isso mesmo, o criador deste género literário.

São muitos os que pensam ter Marcos nascido em Jerusalém, de uma família abastada2, mas a Igreja Copta defende que é natural de Cirene, na Líbia. Teria nascido por volta do ano 10 a. C. e falecido a 25 de abril de 68 d. C., em Alexandria (Egito), martirizado por pagãos, quando regressava de uma missão de anúncio do evangelho. Quanto à sua morte, os Atos de Marcos (séc. IV) dizem que, “no dia 24 de abril, os pagãos o arrastaram pelas ruas de Alexandria, amarrado com uma corda no pescoço. Metido na prisão, foi confortado por um anjo. Mas, no dia seguinte, sofrendo atrozes suplícios, morreu. Seu corpo devia ser queimado, mas, salvo pelos fiéis, foi sepultado numa gruta”. No século V, teria sido daí trasladado para uma igreja.

A tradição cristã identifica o evangelista Marcos com João Marcos, mencionado pelo livro dos Atos dos Apóstolos primeiro como companheiro de Paulo (At 12, 12-25; 13, 5-13) e depois de Barnabé (15, 37-39). A relação com Paulo não terá sido de todo rompida, dado que o Apóstolo, no ano 66, pediu a Timóteo, a partir da prisão romana: “Procure Marcos e traga-o consigo, porque ele pode ajudar-me no ministério” (2 Tm 4, 11). Não sabemos se Marcos chegou a Roma antes do martírio de Paulo, mas ter-se-á colocado aí ao serviço de Pedro, como o sugere 1 Pd 5, 13: “Manda-vos saudações a comunidade dos eleitos que está em Babilónia3 e, em particular, Marcos, meu filho”. A tradição refere que a Basílica romana de S. Marcos foi construída sobre o lugar onde se situava a casa em que evangelista viveu.

Parece, contudo, que devemos admitir a possibilidade de existir mais do que uma pessoa com esse nome. De facto, uma tradição dos séc.s II-III d. C., referida por Hipólito, na obra Sobre os Setenta Apóstolos, distingue Marcos, o evangelista (2 Tm 4, 11), de João Marcos, e até de um outro Marcos, “primo de Barnabé” (Cl 4, 10; Flm, 24).

Sem grande fundamento, a tradição inscreve Marcos entre os Setenta Discípulos que foram enviados por Jesus para anunciar o evangelho na Judeia (cfr. Lc 10, 1-16). Na verdade, o evangelista não teria sido discípulo de Jesus, mesmo se alguns estudiosos o identificam com o jovem que, coberto por um lençol, seguia o Mestre, aquando da sua prisão no Getsémani (Mc 14, 51-52)4.

Após a morte de Pedro, nada mais se sabe sobre Marcos. Uma tradição antiga refere que fundou comunidades cristãs em Chipre e no Egito, particularmente em Alexandria, de que teria sido o primeiro bispo. Mais certo parece ser o facto de ser o autor do Segundo Evangelho. A tradição diz que transcreveu a pregação e as catequeses de Pedro, dirigidas aos primeiros cristãos de Roma, como parece sugerir o facto de o texto possuir a vivacidade e a singeleza de uma narração popular5.

Diz uma lenda antiga que, no ano 828, o seu corpo foi levado por dois mercadores para a cidade de Veneza, onde foi colocado na Basílica a ele dedicada. Crê-se que a sua cabeça está no Cairo (Egito), na catedral de S. Marcos, sede do Patriarca copta-ortodoxo. Uma antiga tradição coloca também a Igreja de S. Marcos, em Braga, no roteiro das suas relíquias, pois teriam sido para aqui trazidas algumas, no século XII, pelo arcebispo Maurício Burdino, que veio a ser o Antipapa Gregório VIII.

Em 1071, S. Marcos foi escolhido como titular da Basílica e Padroeiro principal de Veneza6. O leão alado, com um livro e a inscrição Pax tibi, Marce, evangelista meus (“Paz a ti, Marcos, meu evangelista”), torna-se o brasão da cidade, colocado em todos os lugares dominados pela Sereníssima, título dado à República de Veneza.

S. Marcos é padroeiro dos tabeliões, escrivães, vidraceiros e óticos. É venerado como por várias Igrejas cristãs: Católica, Ortodoxa e Copta, que o tem por seu Patriarca.

No meio das dúvidas e incertezas, emerge como testemunha de Jesus Cristo pela palavra escrita e muito provavelmente pelo sangue derramado. Se não houvesse outros motivos, estes chegariam para lhe darmos um lugar de relevo na vivência cristã e na História da Igreja dos primórdios.

1Durante muitos séculos, pensou-se que tivesse sido o segundo evangelho a ser escrito e é por isso que ele aparece em segundo lugar, na ordem canónica.
2Uma tradição antiga refere que terá sido em casa de Marcos que teve lugar a Última Ceia e o Pentecostes Ao falar de “uma grande sala no andar de cima, mobilada e toda pronta” (Mc 14, 15) e da “sala de cima, no lugar onde se encontravam habitualmente” (At 1, 13), o texto bíblico não contribui para essa identificação.
3À semelhança do Apocalipse, também a Primeira Carta de Pedro chama Babilónia à cidade de Roma.
4Esta hipótese fundamenta-se no facto de ser o Evangelho de Marcos o único a relatar este episódio. Talvez o evangelista queira sugerir que, depois de todos terem fugido, Jesus está mesmo só. Até um jovem valente que ainda o seguia, preferiu fugir nu do que ser preso com o Mestre. À parte a historicidade do relato, o texto evoca Am 2, 16: “E o mais corajoso entre os valentes fugirá nu, naquele dia”.
5A evidência de que o autor do Evangelho que tem o seu nome é esse mesmo Marcos vem de Papias de Hierápolis (séc. II d. C.), nos fragmentos da sua Exposição dos oráculos do Senhor.
6Até então, era S. Teodoro.

QOSHE - Santo e evangelista - Pe. João Alberto Sousa Correia
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Santo e evangelista

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22.04.2024


Na próxima quinta-feira, dia 25 de abril, celebra-se S. Marcos, o evangelista deste Ano Litúrgico (Ano B). A sua relevância não lhe vem tanto das certezas do que acerca dele conhecemos, mas sobretudo do facto de ser o autor do Segundo Evangelho1 e, por isso mesmo, o criador deste género literário.

São muitos os que pensam ter Marcos nascido em Jerusalém, de uma família abastada2, mas a Igreja Copta defende que é natural de Cirene, na Líbia. Teria nascido por volta do ano 10 a. C. e falecido a 25 de abril de 68 d. C., em Alexandria (Egito), martirizado por pagãos, quando regressava de uma missão de anúncio do evangelho. Quanto à sua morte, os Atos de Marcos (séc. IV) dizem que, “no dia 24 de abril, os pagãos o arrastaram pelas ruas de Alexandria, amarrado com uma corda no pescoço. Metido na prisão, foi confortado por um anjo. Mas, no dia seguinte, sofrendo atrozes suplícios, morreu. Seu corpo devia ser queimado, mas, salvo pelos fiéis, foi sepultado numa gruta”. No século V, teria sido daí trasladado para uma igreja.

A tradição cristã identifica o evangelista Marcos com João Marcos, mencionado pelo livro dos Atos dos Apóstolos primeiro como companheiro de Paulo (At 12, 12-25; 13, 5-13) e depois de Barnabé (15, 37-39). A relação com Paulo não terá sido de todo rompida, dado que o Apóstolo, no ano 66, pediu a Timóteo, a partir da prisão romana:........

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