Afinal, vivem os portugueses contentes e felizes? Não, claramente não, mesmo que nos pareça um enorme contrassenso.

Mas, então, sempre nos disseram que somos um jardim à beira-mar plantado com um clima excelente, ótimas e maravilhosas paisagens, gastronomia saudável e apetitosa, segurança, bem-estar e uma população hospitaleira, prestável e solidária; mas, assim sendo, porque vivem os portugueses, porque vivemos insatisfeitos e infelizes?

Segunda uma sondagem recente feita para o jornal Expresso de 2023-05-19 e para a televisão SIC mostra um país profundamente insatisfeito com o funcionamento da sociedade; e a razão desta insatisfação prende-se com os pesados impostos sobre os rendimentos, a distribuição da riqueza, a situação da habitação e o insuficiente combate à corrupção; e, acrescento eu, a este punhado de razões acrescem o mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da Educação, da Justiça, da Economia e a falta de confiança na Política, nos Partidos políticos, no Governo e no Parlamento.

Pois é, este estado de espírito dos portugueses justifica-se, assim, pelo mau funcionamento onde pontificam evidentes deficiências e falências nos serviços públicos; e, mormente, na inoperância da ação governativa em áreas cruciais como sejam a corrupção, as desigualdades crescentes, a fome e a miséria existentes que a todos envergonham, face aos restantes parceiros da União Europeia.

Agora, façamos uma análise mesmo que rápida e superficial às principais debilidades e quiproquós do sistema político que nos governa e em que vivemos, há cerca de cinquenta anos: a Democracia; e, então, sabendo nós que ela ainda é o menos mau dos sistemas políticos existentes (Churchill) e que tem na sua essência o dinamismo e a razão bem capazes de enfrentar, ultrapassar e debelar os desvios, fraquezas e incoerências possíveis, próprias da natureza humana ou seja dos governantes que escolhemos, este estado de coisas não devia ser possível.

Só que há um princípio fundamental em Democracia e que é manter sempre uma relação constante com a transparência e com o escrutínio da responsabilidade política que deve prevalecer nos atos de quem manda e governados; e, por vezes urgente e necessário se torna o debate político sério e frontal em conjunto com o espoletar de determinadas ações e decisões dos governantes, quando dúvidas e opacidades há sobre as intenções e razões com que se tomam.

Estou a lembrar-me, por exemplo, do ex-primeiro-ministro António Costa, há tempos, ter assistido à final da Liga Europeia de Futebol, na Hungria, ao lado do autoritário Viktor Orban e a convite da UEFA, deixando no ar a dúvida sobre a sua intenção que me parece ter mais a ver com a sua, então, desejada ida para um cargo europeu do que com o bichinho da bola; e com esta manobra duvidosa, pouco clara e explicada ao povo chega o descontentamento e a dúvida sobre os benefícios diretos daí resultantes para a sua vida e para a resolução dos seus problemas reais.

Ora, a falta de confiança nas instituições e nos homens que as dirigem e governam é um fenómeno bem conhecido entre nós que já vem de longe e merecido tem fundados estudos e análises; e as conclusões daí retiradas sempre apontam para os destinos do país e mobilizar o povo para a defesa e aperfeiçoamento da vida democrática.

Depois, o avanço da escolha, promoção e delegação de competências em militantes dos partidos que não têm prática, conhecimento e experiência da vida e provas dadas na ação política concreta que acabam por ascender a cargos e direções nacionais, regionais e locais de elevada e exigente responsabilidade, seja nas estruturas nas estruturas partidárias, seja nas estruturas governativas acabam por ser corresponsáveis pelo colapso da política nacional.

E a esta realidade acresce a falta de formação de verdadeiros quadros em escolas inexistentes nas estruturas partidárias, bem como uma permanente reciclagem, chamemos-lhe assim, dos militantes mais antigos que pensam saber tudo e nada sabem; e, ainda, a prática dos jobs for the boys pescada à linha mais agrava esta ineficaz atuação, dinâmica e competência dos partidos políticos.

Pois bem, daqui resulta o afastamento e desmotivação da vida política das elites profissionais e quadros técnicos qualificados e competentes para dirigir o país; e, pior ainda, a desbragada ausência de moral e ética, a partidarite aguda, a demagogia, a incompetência e falta de seriedade responsáveis são pelo abismo em que nos atolamos.

Uma coisa é certa: na atribuição de cargos políticos de responsabilidade nacional nunca devem presidir os compadrios, as amizades, os seguidismos, os arranjismos, os porreirismos; mas, fundamentalmente, nesta escolha deve prevalecer sempre e à frente a competência, a honestidade, o altruísmo e, porque não, o amor às causas públicas, sejam locais, regionais ou nacionais, dos escolhidos.

Enquanto se não der, como sói dizer-se, a volta ao texto, a meu ver, a vida política nacional não vai sair do atoleiro em que se meteu; e a nossa democracia, contrariamente ao que o povo sempre sonhou e almejou, sejamos realistas, não passará de uma brincadeira de gaiatos, ou seja de uma coboiada.

Então, até de hoje a oito.

QOSHE - A caminho das urnas 1 - Descontentes e infelizes - Dinis Salgado
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A caminho das urnas 1 - Descontentes e infelizes

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31.01.2024

Afinal, vivem os portugueses contentes e felizes? Não, claramente não, mesmo que nos pareça um enorme contrassenso.

Mas, então, sempre nos disseram que somos um jardim à beira-mar plantado com um clima excelente, ótimas e maravilhosas paisagens, gastronomia saudável e apetitosa, segurança, bem-estar e uma população hospitaleira, prestável e solidária; mas, assim sendo, porque vivem os portugueses, porque vivemos insatisfeitos e infelizes?

Segunda uma sondagem recente feita para o jornal Expresso de 2023-05-19 e para a televisão SIC mostra um país profundamente insatisfeito com o funcionamento da sociedade; e a razão desta insatisfação prende-se com os pesados impostos sobre os rendimentos, a distribuição da riqueza, a situação da habitação e o insuficiente combate à corrupção; e, acrescento eu, a este punhado de razões acrescem o mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da Educação, da Justiça, da Economia e a falta de confiança na Política, nos Partidos políticos, no Governo e no Parlamento.

Pois é, este estado de espírito dos portugueses justifica-se, assim, pelo mau funcionamento onde pontificam evidentes deficiências e falências nos serviços públicos; e, mormente, na inoperância da ação governativa em áreas cruciais como sejam a corrupção, as........

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