Os partidos apresentaram os seus programas com vista às próximas eleições. A matéria da justiça tem assumido relevo nos últimos meses, sobretudo na relação com a política ou mais exatamente na relação penal com os políticos. Por isso é mister ler o que tais programas preveem para o sector.

Eterna “vexata quaestio” é saber o que devem os programas conter, se medidas concretas, quantificadas, de modo não só os eleitores as conhecerem, mas também para se proceder posteriormente à respetiva “accountability” relativamente ao partido que formar governo, sem meras generalidades e enunciação de princípios. Se um programa não deve ser tão extensivo que enuncie uma por uma toda a medida, com os respetivos custos e despesas ao pormenor, também não se deve bastar com a afirmação de ideias gerais e comuns.

O programa da AD (p. 78 a 83) enuncia princípios tais como “redução substancial da duração efetiva dos processos judiciais”, “cumprimento efetivo … dos prazos”, “especialização dos juízes”. No PS (p. 118 a 122) “simplificar processos”, “formação de magistrados”. Tudo generalidades, como noutros programas, com exceção do Chega, que propõe uma ou outra medida concreta, em contrário do correto pensamento ético-jurídico prevalecente na comunidade, como a reintrodução da pena de prisão perpétua.

Não há nos programas, ainda que sucintamente, qualquer explicitação das ideias: redução de prazos e simplificar processos: Como? Quais? Especialização de juízes: já existe. Alargar? Como? Formação de magistrados e valorização de carreiras: já existe. Alterar o quê? Como? E quanto custam as medidas? No debate da passada segunda-feira à noite, sobre Justiça, nem uma palavra. O eleitor indeciso em quem votar, não será pela leitura dos programas na Justiça que será capaz de se decidir.

Claro que isso dificulta a possibilidade do controlo das medidas efetivamente postas em prática pelo governo, por comparação ao programa eleitoral, pois assim qualquer delas se enquadrará nele. Se os partidos em tempo de campanha apresentassem a equipa para a Justiça, esta poderia desenvolver publicamente o modelo programático. Mas não é isso que acontece, numa campanha marcada quase exclusivamente pelos discursos e debates dos líderes.

Um problema de muitos anos é a qualidade dos juristas na política. As mais sabedoras mentes jurídicas, os consagrados Magistrados, os grandes Mestres, os Advogados mais experientes, não querem exercer cargos políticos. Vigora muitas vezes o termo que o ensaísta inglês Hazlitt cunhou de "ultracrepidanismo", cuja origem é encontrada em Plínio, o velho, na sua “Naturalis Historia”, na qual regista que um sapateiro dirigiu-se ao pintor Apeles, com o fim de apontar um defeito na versão artística de uma sandália, que Apeles prontamente corrigiu. Incentivado por isso, o sapateiro pôs-se em seguida a apontar outros (supostos) defeitos que considerou presentes na pintura. Mas o Mestre pintor respondeu-lhe “ne supra crepidam sutor iudicaret” – não vá o sapateiro além da chinela – que se tornou um dito proverbial.

Os programas não vão ao encontro dos problemas que os titulares de cargos públicos enfrentam em situações criminais de corrupção ou prevaricação. Têm sido vários os casos de políticos que se demitiram perante meras suspeitas, constituição de arguidos, pedido de prisão preventiva, pronúncias ou condenações e que ou ainda não foram constituídos arguidos (Costa), ou arguidos não acusados, indiciados por corrupção que o juiz de instrução recusou (operação influencer e corrupção na Madeira) ou acusados e absolvidos em primeira instância (Miguel Alves). Culpa-se o Ministério Público. Mas não é esta entidade que exige que nestes casos os políticos se demitam. São regras instituídas voluntariamente pelos partidos e que não são consentâneas com o funcionamento do regime jurídico processual penal, em que os inquéritos podem não dar lugar à acusação, nem os processos à pronúncia ou à condenação. Os políticos é que têm de resistir ao populismo, assumindo a coragem de não retirar a confiança política à primeira suspeita nem à constituição de arguido que, diga-se, funciona como proteção do próprio. E só em caso de medida de coação privativa de liberdade, acusação ou mesmo pronúncia, é que o caso deve ser remetido aos órgãos jurisdicionais do partido para parecer sobre os requisitos da retirada da confiança e decisão final dos órgãos diretivos.

QOSHE - Programas e Justiça - Carlos Vilas Boas
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Programas e Justiça

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22.02.2024

Os partidos apresentaram os seus programas com vista às próximas eleições. A matéria da justiça tem assumido relevo nos últimos meses, sobretudo na relação com a política ou mais exatamente na relação penal com os políticos. Por isso é mister ler o que tais programas preveem para o sector.

Eterna “vexata quaestio” é saber o que devem os programas conter, se medidas concretas, quantificadas, de modo não só os eleitores as conhecerem, mas também para se proceder posteriormente à respetiva “accountability” relativamente ao partido que formar governo, sem meras generalidades e enunciação de princípios. Se um programa não deve ser tão extensivo que enuncie uma por uma toda a medida, com os respetivos custos e despesas ao pormenor, também não se deve bastar com a afirmação de ideias gerais e comuns.

O programa da AD (p. 78 a 83) enuncia princípios tais como “redução substancial da duração efetiva dos processos judiciais”, “cumprimento efetivo … dos prazos”, “especialização dos juízes”. No PS (p. 118 a 122) “simplificar processos”, “formação de magistrados”. Tudo........

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