O governo de Montenegro, cujos ministros tomaram posse na passada terça-feira, enfrenta os desafios que todas as novas Administrações enfrentam. A situação em nada é comparável com aquela que Passos Coelho recebeu de Sócrates, com o pais em situação de bancarrota, uma situação de exceção, com excedente orçamental e ratings ao nível de “A”, face às três bancarrotas ocorridas durante os governos do PS, em 1977, 1983 e 2011, que tiveram consequências significativamente desastrosas para a economia portuguesa, em que o país precisou de recorrer à intervenção externa para obter auxílio financeiro e implementar medidas de austeridade. Essas crises foram, sobretudo, resultado de gestões económicas falhadas e desequilíbrios orçamentais insustentáveis.

É certo que as tarefas concretas prioritárias, num mundo em permanente mutação, são distintas das que se puseram a outros governos. As boas contas públicas parecem advir de uma má gestão das necessidades das pessoas, seja nos profissionais da saúde, da educação ou das forças de segurança e de um desinvestimento público e fiscal na habitação. Sendo o PSD um partido que tradicionalmente tem por princípio preservar a integridade da saúde orçamental pública, encontrar o trade-off perfeito entre maior despesas pública para ir ao encontro da necessária subida dos salários daqueles funcionários e do rendimento dos pensionistas e conseguir o crescimento económico com saldo orçamental zero ou mesmo positivo e com a divida pública próximo da meta dos 60% em função do PIB – note-se que de acordo com os critérios de Maastricht, a inflação deve conter-se até 2%, o défice orçamental anual não deve exceder 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e o total da dívida pública não deve exceder 60% do PIB; alcançados os dois primeiros objetivos, a UE vira-se agora para uma fiscalização mais rigorosa deste requisito -, exige um esforço hercúleo que pressupõe uma governação dos melhores. Por outro lado, tendo a AD apenas uma maioria relativa parlamentar, será tarefa árdua alcançar acordos, necessariamente realizados com o Chega ou o PS, quando este que já se afirmou como líder da oposição e aquele quer chamar a si essa chefia, para a aprovação das principais Leis.

O elenco ministerial é claramente o possível, mas não se pode dizer que esteja presente, em tudo, a nata dos portugueses melhor qualificados para cada função. Nem isso será provavelmente evidenciável em futuros governos assim como não o foi ao longo dos últimos 30 anos. Acrescia agora a dificuldade de conquistar os melhores da sociedade civil, para um governo que se teme possa não passar de outubro de 2024, caso o Orçamento de Estado para 2025 seja reprovado no Parlamento.

As principais pastas políticas foram atribuídas a membros do núcleo duro de Montenegro, sobrando o bracarense Hugo Soares, que pela sua experiência anterior e pela qualidade que então demonstrou, foi escolhido para líder da bancada na AR e com a espinhosa missão de encontrar pontos de convergência com outras bancadas com vista à aprovação legislativa. Outros ministros tiveram que desistir de integrar o quadro do Parlamento Europeu e de lutar pela possibilidade de integrar a lista nas próximas eleições europeias, percebendo-se a importância que o novo primeiro-ministro dá à UE e aos fundos comunitários, sem os quais a almejada combinação do aumento dos salários com o crescimento do PIB não será possível. As restantes pastas foram providas por cidadãos com curriculum profissional, embora sem a experiência gestionária e política que um cargo governamental impõe, o que redobra o escrutínio que Montenegro terá que exercer sobre tais governantes.

Na crucial pasta das Finanças o desejado era Paulo Macedo. O seu elogiado desempenho como Diretor Geral das Finanças, Ministro da Saúde e presidente da CGD, qualificavam-no como o melhor para o cargo, mas terá sido pouco apelativo trocar esta presidência por um mandato que pode não durar mais de seis meses. Miranda Sarmento é um reputado economista, académico, que teve pouco sucesso como líder parlamentar do PSD na legislatura cessante, sendo o mentor do programa económico da AD para as últimas eleições. Na realidade, sem Paulo Macedo, não parece que houvesse outrem melhor que ele em condições de aceitar a nomeação.

Um governo assim, minoritário, vai assentar muito no apoio direto do povo.

QOSHE - O Governo de Montenegro - Carlos Vilas Boas
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O Governo de Montenegro

8 0
04.04.2024

O governo de Montenegro, cujos ministros tomaram posse na passada terça-feira, enfrenta os desafios que todas as novas Administrações enfrentam. A situação em nada é comparável com aquela que Passos Coelho recebeu de Sócrates, com o pais em situação de bancarrota, uma situação de exceção, com excedente orçamental e ratings ao nível de “A”, face às três bancarrotas ocorridas durante os governos do PS, em 1977, 1983 e 2011, que tiveram consequências significativamente desastrosas para a economia portuguesa, em que o país precisou de recorrer à intervenção externa para obter auxílio financeiro e implementar medidas de austeridade. Essas crises foram, sobretudo, resultado de gestões económicas falhadas e desequilíbrios orçamentais insustentáveis.

É certo que as tarefas concretas prioritárias, num mundo em permanente mutação, são distintas das que se puseram a outros governos. As boas contas públicas parecem advir de uma má gestão das necessidades das pessoas, seja nos profissionais da saúde, da educação ou das forças de segurança e de um desinvestimento público e........

© Diário do Minho


Get it on Google Play