O povo decidiu. À direita do centro político formou-se uma maioria clara, quer somados todos os votos, quer no conjunto de mandatos parlamentares. Na final da noite eleitoral, Pedro Nuno Santos nem sequer quis esperar pelos votos da emigração, assumiu a derrota e a liderança da oposição, parecendo até temer que aqueles votos o colocassem em lugar vencedor: como poderia governar sem uma maioria de esquerda?

Este posicionamento não foi tanto para o país, nem para a AD. Foi uma mensagem para a sua esquerda, adiantando que não valia a pena tentativas de geringonça sem maioria. Mas não resultou. Rui Tavares insistiu na união deste espectro político após as eleições e desafiou a AD e a IL a clarificar se votariam a favor de uma moção de rejeição a um executivo de maioria relativa de esquerda. O BE alinhou pelo mesmo diapasão e a CDU, eterna campeã das eleições, prometeu uma moção de rejeição ao governo de Montenegro, em mais uma ténue prova de vida. E continuando a fingir que o Chega não existe, apesar dos 1.100.000 votos que obteve, superando largamente a totalidade dos votos somados dos partidos à esquerda do PS. A razão para a sociedade temer na atualidade mais a extrema direita que a extrema esquerda, ao contrário de há 49 anos atrás, deve-se precisamente ao seu enorme crescimento face ao enfraquecimento desta.

São muitos os desafios para a nova governação, na área da saúde, habitação, polícias, educação e rendimentos, em particular dos pensionistas e dos jovens. Há um tema que é incontornável, transversal e universal, o da Inteligência Artificial. O Parlamento Europeu fez história na passada quinta-feira ao aprovar a primeira regulamentação para a inteligência artificial, pioneira a nível mundial. Como tudo o que é desconhecido e impactante nas nossas vidas, por ter a virtualidade de escapar ao nosso domínio e racionalidade, a IA é tema controverso e assusta-nos. A sua regulamentação dá-nos algum conforto quanto à sua utilização.

Foram de grande oportunidade as conferencias decorridas este mês da Nova Ágora. O Cónego Eduardo Duque alertou para o perigo da IA poder conduzir a uma erosão da confiança nas instituições democráticas e para a capacidade da IA tanto poder ser utilizada para ajudar o ser humano a viver melhor, como também para disseminar informação falsa. Um dos problemas da regulamentação é a diferente visão de outras potências, como os EUA, a China e a Rússia, na globalidade das redes sociais.

Face à IA, cumpre ao ser humano não abdicar da sua sensibilidade e inteligência. Há vários aspetos que os governos podem liderar, promovendo a formação dos atores públicos ou privados, empresas ou particulares. Muito genericamente, para além dos atos estritamente vinculados, numa de várias dimensões, a Administração tem uma margem de livre apreciação que remete para a capacidade de valorar a situação e antecipar o seu resultado. Numa ótica mais alargada, o que nos pode sempre distinguir da IA é a sensibilidade para o caso concreto. O diretor de departamento da Câmara da Maia, num evento realizado recentemente em Fafe, chamava a atenção para a dificuldade de a Administração pública aceitar este papel de escolha. Num cenário em que todos os atos públicos estão sujeitos a intenso escrutínio, os agentes públicos não querem ter o poder discricionário entre várias alternativas de decisão. Veja-se o exemplo que muitos dos condutores já vivenciaram quando estacionam uma viatura em cima do passeio, mesmo quando não incomoda a passagem dos peões e das cadeiras de rodas. Uma situação é a daqueles que se desinteressam da conduta e, podendo procurar um parque, estacionam no passeio durante horas. Outra é o caso, por exemplo, de um médico que coloca provisoriamente o carro no passeio, para ir buscar um medicamento à farmácia. Ali justifica-se a autuação, aqui tem de prevalecer a compreensão, pois existem outros princípios que excluem a ilicitude ou culpa e os da proporcionalidade e razoabilidade a que a administração está vinculada. Quantas vezes isso não sucede, a recomendação é muitas vezes para se defender quando receberem o auto, apesar do custo da defesa ser superior ao valor da coima.

Se quem detém a autoridade abdica da sua humanidade, abre a autoestrada ao domínio da IA, pois para decisões meramente automáticas, esta supera a inteligência humana.

QOSHE - Nova Administração, discricionariedade e IA - Carlos Vilas Boas
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Nova Administração, discricionariedade e IA

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21.03.2024

O povo decidiu. À direita do centro político formou-se uma maioria clara, quer somados todos os votos, quer no conjunto de mandatos parlamentares. Na final da noite eleitoral, Pedro Nuno Santos nem sequer quis esperar pelos votos da emigração, assumiu a derrota e a liderança da oposição, parecendo até temer que aqueles votos o colocassem em lugar vencedor: como poderia governar sem uma maioria de esquerda?

Este posicionamento não foi tanto para o país, nem para a AD. Foi uma mensagem para a sua esquerda, adiantando que não valia a pena tentativas de geringonça sem maioria. Mas não resultou. Rui Tavares insistiu na união deste espectro político após as eleições e desafiou a AD e a IL a clarificar se votariam a favor de uma moção de rejeição a um executivo de maioria relativa de esquerda. O BE alinhou pelo mesmo diapasão e a CDU, eterna campeã das eleições, prometeu uma moção de rejeição ao governo de Montenegro, em mais uma ténue prova de vida. E continuando a fingir que o Chega não existe, apesar dos 1.100.000 votos que obteve, superando largamente a totalidade dos........

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