O ano de 1933 foi de má memória para a Europa, data em que Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha, depois de no ano anterior o partido nazi se ter tornado o maior partido no Reichstag. Ao contrário do pós II Guerra Mundial, onde se assistiu nas democracias ocidentais ao “boom” no crescimento da riqueza e paz, o fim da I Guerra Mundial na Europa gerou desemprego e conflitualidade, agravado na Alemanha pelas humilhações do Tratado de Versalhes. Em 1922 já a Itália era governada por Mussolini, “IL Duce” do fascismo.

O período da “Grande Depressão” que se seguiu ao crash da bolsa de Nova York de outubro de 1929, causou altas taxas de desemprego e quedas drásticas no PIB das economias mundiais, levando à miséria das populações. A reação contra a situação teve dois sentidos opostos na Alemanha e nos Estados Unidos. Enquanto a 30 de janeiro de 1933 o ditador nazi ascendeu ao poder, lançando a Europa numa guerra infame e o ignóbil holocausto do povo judeu, na América, a 4 de março, tomou posse como presidente Franklin Roosevelt, o democrata que logrou recuperar social e economicamente o país com a implementação do “New Deal”.

Noventa anos passados assistimos ao recrudescimento do extremismo na Europa, mas também noutros pontos do mundo. Nos Países Baixos o partido de extrema-direita de Geert Wilders venceu as eleições. Na Argentina, o extremista de direita Javier Milei tornou-se presidente. Há um ano a líder da extrema-direita Giorgia Meloni tornou-se primeira ministra de Itália. A extrema direita xenófoba de Vitor Orbán governa a Hungria. Em setembro último a União Nacional regressou ao Senado francês, depois da subida histórica nas eleições do ano transato, passando de 8 para 89 deputados no parlamento. Há poucos meses, na Alemanha, a extrema direita do AFD venceu pela primeira vez um distrito, numa altura em que cresce nas sondagens a nível nacional. Em Portugal as sondagens indicam que o Chega mais que duplicará o número dos seus atuais deputados. A Esquerda não está melhor. Em Espanha, Sanchéz faz alianças surpreendentes e preocupantes com extremistas e independentistas, correndo riscos da desagregação do país para manter o poder. Na Eslováquia venceu o partido pró-russo SMER, que preconiza o fim do apoio à Ucrânia.

O cerco sanitário que os partidos tradicionais ditaram aos extremistas não está a resultar, pois não podem vedar a entrada daqueles eleitores – e são cada vez mais – que pulam a cerca e vão ao seu encontro em desespero por situações de desemprego, insegurança, baixos salários e custo de vida, que se agravaram em razão, primeiro do Covid e depois pela Guerra da Ucrânia e dos conflitos entre Israel e o Hamas.

O teórico da extrema-direita Hans-G Betz em 1994 escrevia no seu “Radical Right-Wing Populism in Western Europe” que as populações ocidentais encontravam-ressentidas com os partidos tradicionais, incapazes de aportar respostas para os problemas sociais que mais pressionam os cidadãos. Mais recentemente Douglas Murray, considerado apologista de direita radical e anti-islão, nas obras “Insanidade das Massas” e “A guerra ao Ocidente” descreve o engano duma retórica antiocidental hipócrita e incoerente, perguntando se os atos de xenofobia e discriminação são condenados na Europa e nos Estados Unidos, porque não denunciar o racismo genocida no Médio Oriente.

Não temos dúvidas que a crise que assola a Europa não se resolve com políticas anti-imigração ou saídas da UE, que são a base do pensamento extremista. Na semana passada testemunhamos tais ideologias pela boca de Marine Le Pen, em nome da extrema direita ali representada, ainda que Ventura tenha negado a intenção de abandonar a UE. Basta atentar que em Portugal há um deficit anual de 40.000 almas entre decessos e nascimentos, número de imigrantes que o país tem anualmente de receber só para se manter e que o Brexit foi uma má opção para os britânicos. A matriz cristã europeia assenta também na solidariedade e acolhimento. Mas ignorar a extrema direita é fingir que os problemas que leva a multidão a nela refugiar-se não existem. E isso é um erro que não devemos repetir, para que não voltemos 90 anos atrás e sempre sem deixarmos de viver na esperança, pois como diz Santo Agostinho nas “Confissões”: “o futuro, que ainda não existe, como pode diminuir ou consumir-se?... O futuro, portanto, não é longo, porque não existe”.

QOSHE - 90 anos depois - Carlos Vilas Boas
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90 anos depois

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30.11.2023

O ano de 1933 foi de má memória para a Europa, data em que Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha, depois de no ano anterior o partido nazi se ter tornado o maior partido no Reichstag. Ao contrário do pós II Guerra Mundial, onde se assistiu nas democracias ocidentais ao “boom” no crescimento da riqueza e paz, o fim da I Guerra Mundial na Europa gerou desemprego e conflitualidade, agravado na Alemanha pelas humilhações do Tratado de Versalhes. Em 1922 já a Itália era governada por Mussolini, “IL Duce” do fascismo.

O período da “Grande Depressão” que se seguiu ao crash da bolsa de Nova York de outubro de 1929, causou altas taxas de desemprego e quedas drásticas no PIB das economias mundiais, levando à miséria das populações. A reação contra a situação teve dois sentidos opostos na Alemanha e nos Estados Unidos. Enquanto a 30 de janeiro de 1933 o ditador nazi ascendeu ao poder, lançando a Europa numa guerra infame e o ignóbil holocausto do povo judeu, na América, a 4 de março, tomou posse como presidente Franklin Roosevelt, o democrata que logrou recuperar social e........

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