1. A madrugada surgiu e trouxe com ela novidades. Algures no Ribatejo: A: “O senhor vai esta manhã a Lisboa?” B:“Vou; mas porque pergunta?” A: “É que liguei há pouco o rádio e ouvi dizer que as ruas, as avenidas, as praças e os largos estão cheios de tropas armadas e com muitos carros de combate”.


2. Ia a manhã desse dia 25 a caminho do almoço. Mal ponho o nariz fora da porta, a vizinha do lado cumprimenta-me com palavras saídas da sua boca ‘em rajada’, (qual G3 disparando automática): “Bom dia, sr. L.. Sim, porque agora somos todos iguais, já não é ‘Bom dia, senhor professor, tal como não se diz (nem nunca se disse ‘sr. ferreiro, nem sr. trolha”).


3. Na escola, nova surpresa. Uma professora, até então muito resguardada em redoma de vidro branco e 100% transparente, diz com palavras bem audíveis: “Sim, pois claro, evidentemente que todos os trabalhadores devem, merecem ganhar muito mais”. Talvez, só uns ‘posinhos’ abaixo do marido dela, engenheiro e quadro superior da fábrica, que tem sob as suas ordens os ditos operários. É apenas um exemplo, dos mais que muitos que foram a correr para os alfaiates. Esta classe profissional não teve, nos alvores da Revolução, mãos a medir para virar as casacas dos mais que muitos interessados.


4. Esta, vendo-a pelo preço por que a comprei. Certo indivíduo viu-se de repente metido num grande ajuntamento. Antes de saber o que se passava, começou a dar vivas ao Américo Thomaz. Mas, informado que agora já era outro que mandava, berrou a plenos pulmões: “Atão, viva o outro”.


5. Estava-se no plenário de certa empresa a analisar a situação da mesma. Eram apontados os muitos aspectos positivos de funcionamento, de produção e vendas; uma facturação deveras positiva. Mas tinha um defeito nada condizente com o P.R.E.C. (Processo Revolucionário Em Curso); esta empresa tinha um patrão.


Tudo isto, e muito mais, se passou há cinquenta anos! Mas os cravos foram logo geneticamente modificados. Num ápice passaram a nascer com espinhos. Com a agravante de, desde então e até ao presente, estes se tornarem mais e mais fortes, e as picadelas mais e mais dolorosas.

Mas não me quero afastar do ano de 1974.


Parte II – O golpe militar: Três episódios


1. O fim imediato, é sabido, foi derrubar a ditadura do Estado Novo. Mas não terão sido acauteladas consequências imediatas. Se não, atente-se por exemplo no facto de apenas no dia 26 terem sido remetidas para Luanda as primeiras comunicações oficiais. Enquanto as forças armadas portuguesas estavam “atadas de pés e mãos”, os movimentos de libertação independentistas começaram logo a movimentar-se com intuitos de ganhar posições.


2. E depois, qual não foi o espanto das tropas que lá estavam, habituadas ao rigor e à disciplina militares quando viram chegar os primeiros soldados, com cabelos mais compridos, por exemplo.


3. Não tardou que um determinado contingente militar, entre outros, regressasse à Metrópole por via aérea (como já estava a ser prática corrente então). Decididos e determinados, tiveram de passar por equipas saídas da Revolução, em serviço no aeroporto, que não estavam preparadas para receber as tropas vindas de Luanda (neste caso). Estas calejadas, e quiçá “cacimbadas”, ameaçaram “virar do avesso” o serviço encarregado das chegadas. Este último, por sua vez e perante tal ameaça, diligenciou as ordens necessárias para que o contingente desmobilizasse sem delongas.

QOSHE - O 25 de Abril em “flashes”. Parte I – Casos menores - Bernardino Luís Costa
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O 25 de Abril em “flashes”. Parte I – Casos menores

12 0
25.04.2024

1. A madrugada surgiu e trouxe com ela novidades. Algures no Ribatejo: A: “O senhor vai esta manhã a Lisboa?” B:“Vou; mas porque pergunta?” A: “É que liguei há pouco o rádio e ouvi dizer que as ruas, as avenidas, as praças e os largos estão cheios de tropas armadas e com muitos carros de combate”.


2. Ia a manhã desse dia 25 a caminho do almoço. Mal ponho o nariz fora da porta, a vizinha do lado cumprimenta-me com palavras saídas da sua boca ‘em rajada’, (qual G3 disparando automática): “Bom dia, sr. L.. Sim, porque agora somos todos iguais, já não é ‘Bom dia, senhor professor, tal como não se diz (nem nunca se disse ‘sr. ferreiro, nem sr. trolha”).


3. Na escola, nova surpresa. Uma professora, até então muito resguardada em redoma de vidro branco e 100% transparente, diz com palavras bem audíveis: “Sim, pois claro, evidentemente que........

© Diário do Minho


Get it on Google Play