A ampulheta de Luís Montenegro como primeiro-ministro começa a contar mais logo, às seis da tarde. Este é um Governo que não vai chegar ao fim da legislatura. Aviso já que como o meu sapato se tal acontecer. É um Governo a prazo, cercado por todos os lados. Sabemos que um dia vai cair, só não sabemos quando, e porquê. Não hão de faltar oportunidades para derrubar o Executivo. Desde o Orçamento do Estado, passando por moções de censura que podem ser bem-sucedidas, até tropeções do próprio Governo que acabem por fragilizar ainda mais uma maioria tão poucochinha.

Se Pedro Nuno Santos anunciou na noite eleitoral que, no PS, “acabou a tática”, ela há de voltar mais à frente, quando e se o PS sentir que tem condições para ganhar eleições. E há o Chega, essa fonte de surpresas e de instabilidade, cheio de si mesmo, que ainda não sabe bem o que fazer com 50 deputados e mais de um milhão de votos. O que falta perceber, e só o tempo o dirá, é se esta votação no Chega é estrutural, ou seja, se este passa a ser o eleitorado fixo do Chega ou se, pelo contrário, esta foi uma votação expressiva, mas conjuntural, e no futuro estes votos arrancados da esquerda à direita e à abstenção, voltam a acomodar-se nos partidos de origem, deixando o Chega com 9 ou 10%.

Ao PSD tem servido o exemplo de Cavaco Silva e do seu primeiro Governo, minoritário. Em 1985, o PRD fundado por Ramalho Eanes, também se intrometeu entre os grandes e teve um grupo parlamentar robusto e surpreendente. A história diz-nos que foi esse mesmo PRD a derrubar o Governo e a desaparecer a seguir. O Chega também sabe disto. Mas não estamos em 1985 e não é certo que a história se venha a repetir.

O caminho de Montenegro é sobre gelo fino. O Governo não vai ter tempo para um estado de graça, para os famosos 100 dias sem preocupações. Antes disso há eleições, europeias, e os partidos voltam à estrada para uma campanha quase colada à das legislativas.

Ter um Governo condenado, pode, por outro lado, não ser mau. A expectativa está muito baixa, não só pela instabilidade da composição parlamentar, como, precisamente, pela escassez da maioria. Nesse sentido, os eleitores podem vir a ser surpreendidos pelo desempenho de um Executivo que não tem nada a perder. Sabe que mais tarde ou mais cedo, acaba derrubado e, portanto, a margem de manobra é maior.

Os primeiros meses de governação são decisivos para criar no eleitorado a perceção do que aí vem. Pelas escolhas dos ministros, Montenegro foi inteligente. Tem um núcleo duro pequeno e com bastante experiência política e, ao mesmo tempo, independentes e técnicos em áreas fundamentais.

Talvez este Governo surpreenda. Ou não. Mas, ao mesmo tempo, nunca como agora a oposição estará a ser, também, avaliada. Cavaco Silva passou de um Governo minoritário para uma maioria absoluta, porque o eleitorado entendeu que o Governo frágil estava a governar bem. E convém não esquecer que, nos últimos quatro anos, houve, por três vezes, eleições legislativas. Nas últimas, o mandato foi claro - maioria absoluta. O PS recebeu um mandato que não foi capaz de cumprir para governar sozinho e por quatro anos.

Talvez, mais tarde ou mais cedo, os eleitores queiram fazer o mesmo - dar carta de alforria a um Governo, para que não haja eleições de dois em dois anos. Montenegro tem a cabeça a prémio. Mas, pela primeira vez em muitos anos, a oposição também. Estão todos sobre gelo fino. Com uma sociedade a ver o que vai acontecer e como vai acontecer.

QOSHE - O primeiro dia de um condenado - Pedro Cruz
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O primeiro dia de um condenado

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02.04.2024

A ampulheta de Luís Montenegro como primeiro-ministro começa a contar mais logo, às seis da tarde. Este é um Governo que não vai chegar ao fim da legislatura. Aviso já que como o meu sapato se tal acontecer. É um Governo a prazo, cercado por todos os lados. Sabemos que um dia vai cair, só não sabemos quando, e porquê. Não hão de faltar oportunidades para derrubar o Executivo. Desde o Orçamento do Estado, passando por moções de censura que podem ser bem-sucedidas, até tropeções do próprio Governo que acabem por fragilizar ainda mais uma maioria tão poucochinha.

Se Pedro Nuno Santos anunciou na noite eleitoral que, no PS, “acabou a tática”, ela há de voltar mais à frente, quando e se o PS sentir que tem condições para ganhar eleições. E há o Chega, essa fonte de surpresas e de instabilidade, cheio de si mesmo, que ainda não sabe bem o que fazer com 50........

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