Pedro Nuno Santos admitiu, no dia da vitória, que estava a cumprir um sonho, o de ser secretário-geral do PS. Os seus camaradas militantes tinham acabado de o eleger, com quase 62 por cento dos votos, o que não é muito, para alguém que há anos era um candidato anunciado e tinha feito campanha ainda antes de saber quando seriam as eleições dentro do seu partido.

Foi esta "ambição" de Pedro Nuno que levou António Costa, num Congresso do PS, a dizer que não tinha ainda "metido os papéis para a reforma". Ou seja, ainda Costa era secretário-geral e já Pedro Nuno fazia o circuito da carne assada nos núcleos, nas concelhias e nas distritais para marcar terreno para o futuro, enquanto, no presente, fazia parte dos Governos de Costa.

Numa das frases mais extraordinárias ditas na campanha para a eleição, Pedro Nuno recordava o seu percurso no partido, afiançando que, com esse curriculum - o de ter estado "sempre" no partido -, tinha, por isso, todas as condições para vir a ser candidato a primeiro-ministro. Nos curtos espaços por preencher na fita do tempo da sua "dedicação" ao PS, tinha trabalhado nas empresas do pai. Mas sempre com algum enfado e sacrifício, o sonho era mesmo vir a ser secretário-geral e primeiro-ministro. De alguma forma, Pedro Nuno está a fazer tudo bem. Como outros antes dele, no PS e noutros partidos, não é preciso ter tido vida profissional, uma carreira ou um percurso. Para "lá chegar" basta apenas ter estado sempre disponível para o partido. Mais tarde ou mais cedo, o partido há de reconhecer essa "dedicação" e premiar os seus com os cargos com que sempre sonharam.

Na noite da vitória eleitoral, que Pedro Nuno sonhara mais robusta e mais dilatada, prometeu lutar para construir um país "inteiro". Onde ninguém fica para trás, onde todos cabem e ninguém é esquecido ou ignorado. Começou mal. Porque um dos poucos temas de que falou, para lá das palavras de circunstância, foi sobre o SNS. E, que tem Pedro Nuno a dizer sobre o SNS? Que tem de ser "salvo", que é uma construção que exemplifica bem a frase anterior, porque é para todos e, por isso, faz de Portugal um país inteiro. Mas este Portugal inteiro de Pedro Nuno no SNS deixa, à partida, de fora os setores privado e o social. O SNS de Pedro Nuno é para ser inteiro, mas público e só público, sem contemplações, nem acordos, sem espaço para compromissos ou abertura a parcerias. No serviço de saúde inteiro do novo líder do PS não cabe a capacidade instalada, não há lugar para valências que os setores privados e social têm, mas que o SNS não tem ou não consegue assegurar para todos, por inteiro.

Noutra das ideias repetidas por Pedro Nuno no discurso de vitória, o novo secretário-geral do PS referiu-se à direita como "eles", ou seja, os outros, que não nós. "Eles" são os que ele quer combater e derrotar, sem dó nem piedade. Porque "eles", os outros, são os maus e nós, os nossos, somos os bons. Para quem quer um Portugal inteiro, cavar um fosso ideológico à partida, dividir águas, etiquetar cidadãos que votam "na direita" como se fossem criminosos ou malfeitores não parece, uma vez mais, bater certo com o discurso do Portugal inteiro.

Talvez Pedro Nuno tenha essa obsessão, por não ter saído inteiro das duas maiores polémicas enquanto ministro: primeiro, apanhou António Costa fora e despachou, sozinho, a localização do novo aeroporto. Foi desautorizado pelo Primeiro-Ministro, que o obrigou a retratar-se. Assumiu "um erro, um erro grave", mas nem pediu desculpa, nem se demitiu. Não saiu inteiro deste episódio. Ficou ministro, mas não de corpo inteiro. Mais tarde, acabou por sair do Governo, na sequência da indemnização a Alexandra Reis. Mais uma vez, não escapou inteiro. Mandou pedir esclarecimentos a vários organismos, para saber o porquê do valor dessa indemnização. E só muito mais tarde confessou que, afinal, fora ele mesmo a autorizar. Nessa altura, tarde demais, já não era ministro. Saiu pela porta pequena, ao contrário do que o seu sonho previa.

A 10 de março os portugueses, na solidão da cabine de voto, dirão a Pedro Nuno o que pensam dele.

Jornalista

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Não basta dizer inteiro para ser inteiro

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19.12.2023

Pedro Nuno Santos admitiu, no dia da vitória, que estava a cumprir um sonho, o de ser secretário-geral do PS. Os seus camaradas militantes tinham acabado de o eleger, com quase 62 por cento dos votos, o que não é muito, para alguém que há anos era um candidato anunciado e tinha feito campanha ainda antes de saber quando seriam as eleições dentro do seu partido.

Foi esta "ambição" de Pedro Nuno que levou António Costa, num Congresso do PS, a dizer que não tinha ainda "metido os papéis para a reforma". Ou seja, ainda Costa era secretário-geral e já Pedro Nuno fazia o circuito da carne assada nos núcleos, nas concelhias e nas distritais para marcar terreno para o futuro, enquanto, no presente, fazia parte dos Governos de Costa.

Numa das frases mais extraordinárias ditas na campanha para a eleição, Pedro Nuno recordava o seu percurso no partido, afiançando que, com esse curriculum - o de ter estado "sempre" no partido -, tinha, por isso, todas as condições para vir a ser candidato a primeiro-ministro. Nos curtos........

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