Falta um mês e pouco para as eleições “mais importantes de sempre”. A cada eleição, há sempre quem decrete que a que se segue é a mais importante de sempre. Faz lembrar os treinadores de futebol, para quem o próximo jogo é sempre o mais importante.

Só que, desta vez, tendo a concordar com o decreto. Está muito em jogo. E, se não devemos ter medo da democracia nem dos votos dos eleitores, estes devem ser, antes de mais, respeitados e, depois, analisados.

Primeiro, e António Costa ensinou-nos isso em 2015, é preciso perceber que bloco ideológico elege mais deputados a 10 de março. Depois, ter em conta o partido ou coligação que ganhou as eleições e se esse partido ou coligação pertence ao mesmo bloco ideológico que elegeu a maioria dos deputados. Por fim, não havendo maiorias absolutas – e não haverá – olhar para coligações, entendimentos ou acordos parlamentares de geometria variável que possam gerar um governo com alguma estabilidade e durabilidade. Na falta de tudo isto, há sempre a possibilidade convocar novas eleições, de confrontar os eleitores com as suas escolhas e esperar que os resultados sejam diferentes e que permitam a existência do tal governo com os mínimos aceitáveis.

O Presidente da República sabe disto tudo melhor do que qualquer um de nós. E o analista político que mora em Belém já fez, por esta altura, todos os cenários e previsões possíveis para o que poderá acontecer depois da noite do dia 10 de março.

O Chega vai subir e consolidar-se de vez como a terceira força política; mas pode ir mais longe. São cada vez mais os que já não escondem que votarão no partido de André Ventura. Ao contrário do que diz, fez e continua a fazer o PS, o Chega não é um problema do PSD, é um problema da democracia e de todos os partidos democráticos. Nos últimos quatro anos, o PS e os partidos à sua esquerda tentaram de forma intelectualmente desonesta e politicamente irresponsável colar o PSD ao Chega, acantonar o partido de Sá Carneiro à direita, explorar ao máximo o facto do Chega ser de extrema-direita e, por isso, ser uma questão que o PSD teria de resolver.

Nada mais errado.

O enfraquecimento do PSD é terrível para a democracia, para o equilíbrio entre blocos ideológicos e para a alternativa saudável que deve existir nas democracias maduras e civilizadas. Ao repetir muitas vezes uma mentira, o PS prestou um péssimo serviço à democracia, ao regime que vai fazer 50 anos dentro de três meses e ajudou a encher o balão do populismo e do radicalismo. Bloco e PCP ainda não pediram desculpas por, durante décadas, também terem considerado o CDS de “extrema-direita” e o combaterem, sobretudo no hemiciclo, como se de facto fosse um partido fascista ou populista. Hoje, que sabem o que é um partido populista e demagógico, já devem ter percebido que não, esse partido não é o CDS.

O que se perdeu em equilíbrio, moderação, capacidade de gerar consensos e alternância, não se ganhou com a gritaria, a vozearia, o protesto pelo protesto, a demagogia e o populismo. Cada voto no Chega é o falhanço dos agora chamados “partidos tradicionais”. De todos, sem exceção. Quando os eleitores decidem votar no Chega, não é por uma questão de ideologia, de identificação com extremismos ou de saudades de outros tempos. Cada voto no Chega é antes de mais um voto de protesto, de rendição, de capitulação, de desencanto e de chamada de atenção. Os partidos “tradicionais” foram deixando de fora um exército de gente que já não acredita em nada. E que procura quem lhe diz o que quer ouvir. Os sinais estavam todos lá. A cada eleição, subia o número de abstencionistas; as campanhas eleitorais – espero que esta seja diferente – serviam apenas para troca de acusações e o folclore das feiras e mercados; apesar de fraca, a sociedade tornou-se mais exigente, mais atenta, mais informada – por vezes, mal informada – e começou a exigir mais. Os partidos ficaram no século XX e não perceberam que o milénio mudou e que a sociedade já não é o que era.

Por isso, sim, desta vez concordo que estas eleições são as mais importantes de sempre. Mas não me parece que sejam as últimas. Marcelo o dirá, ele que anda há anos a defender que as propostas que vão a votos devem ser clarificadoras, diferentes e alternativas.


Jornalista

QOSHE - A quadratura do círculo - Pedro Cruz
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A quadratura do círculo

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23.01.2024

Falta um mês e pouco para as eleições “mais importantes de sempre”. A cada eleição, há sempre quem decrete que a que se segue é a mais importante de sempre. Faz lembrar os treinadores de futebol, para quem o próximo jogo é sempre o mais importante.

Só que, desta vez, tendo a concordar com o decreto. Está muito em jogo. E, se não devemos ter medo da democracia nem dos votos dos eleitores, estes devem ser, antes de mais, respeitados e, depois, analisados.

Primeiro, e António Costa ensinou-nos isso em 2015, é preciso perceber que bloco ideológico elege mais deputados a 10 de março. Depois, ter em conta o partido ou coligação que ganhou as eleições e se esse partido ou coligação pertence ao mesmo bloco ideológico que elegeu a maioria dos deputados. Por fim, não havendo maiorias absolutas – e não haverá – olhar para coligações, entendimentos ou acordos parlamentares de geometria variável que possam gerar um governo com alguma estabilidade e durabilidade. Na falta de tudo isto, há sempre a possibilidade convocar novas eleições, de confrontar os........

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