Os eleitores tendem a gostar mais de quem acham que conhecem melhor. Claro que provavelmente não conhecem, mas sentem-no e isso basta. Daí que a presença nas televisões e nas redes sociais seja decisiva, mesmo que não necessariamente para criar uma profunda adesão, mas para estabelecer esse traço de confiança mínima que assegura pelo menos a aceitabilidade e uma certa dose de conforto para o eleitor.

Se Luís Montenegro fosse presidente do Aliança, ninguém lhe ligaria nenhuma, mesmo que fosse eloquente e incisivo. Se Pedro Nuno Santos fosse coordenador do MAS, seria apenas uma curiosidade. Tal como sucede, por exemplo, a Filipe Sousa, líder do Juntos pelo Povo (JPP), um homem inteligente e sério, sem merecer qualquer atenção.

Quem valida um ator político são, portanto, as suas aparições públicas, e o que se fala sobre si, nos meios de comunicação. Daí que assegurar pelo menos um deputado seja decisivo, garante de um grau diferenciado de atenção mediática e a única possibilidade real de poder crescer. Não por acaso Livre ou PAN começaram com um deputado e provavelmente até elegerão mais nas próximas eleições. Não por acaso o CDS -- e o PPM -- aproveitaram a generosa boleia do PSD. Não por acaso Os Verdes foram durante tantas legislaturas um enclave, mesmo que desejado, na CDU.

No meio de tudo isto, a competição eleitoral torna-se uma contenda de arrebatamento de atenção, como no caso do PS e do PSD, ou de provocação, como no caso do Chega.

Mas, à medida que, 50 anos após o 25 de abril, se diluem os vínculos ideológicos e as pertenças emocionais, e PS e PSD perdem capacidade de atração dos mais novos, é muito provável que as eleições das próximas décadas, com resultados espartilhados por vários projetos, se decidam cada vez mais em função de perceções rápidas e momentos partilhados. A capacidade de criar e partilhar conteúdos comunicacionais de forma barata, simples e rápida retirou à televisão e à sua edição o monopólio da imagem e da mensagem. Mesmo se associados ao eleitorado mais jovem, estes conteúdos são na verdade universais e intemporais – nada os apagará. O passar do tempo e a mudança geracional do eleitorado farão o seu caminho. Com um regime estruturalmente estabilizado, para já, oscilando de forma relativamente ténue entre mais Estado ou mais privados como grandes opções, e assente a liberdade de expressão, que assegura que alarvidades e mentiras -- desde logo, as do Chega -- possam ser apresentadas como propostas políticas, são as personagens e os seus momentos mediáticos que fazem a diferença.

Dir-se-á: mas sempre foi assim! O carisma político e mediático sempre foi decisivo. Eleições históricas ganharam-se e perderam-se a partir de um momento, de uma palavra, de um erro. Só que, entretanto, existe uma mutação de intensidade, de grau, quer da prevalência da imagem, quer do acesso a esta, mas também do tempo dedicado à escolha, como 20% de indecisos indicam nas vésperas da eleição. E só quem souber jogar este jogo aqui estará, como ator político, nas próximas décadas. Daí que André Ventura se dedique a apresentar promessas brutais e rápidas a todos, uma por dia, e a dizer coisas agressivas e quase monossilábicas, em segundos, sem qualquer peso de responsabilidade anterior ou de futuro. Por isso uma entrevista num jornal a André Ventura é quase sempre um desastre para o próprio, especialmente quando confrontado com os seus próprios soundbites. O tempo da palavra e da ideia não é o tempo do grito.

Também por isso votar no PSD nas próximas eleições será sempre votar no Chega. Dando-lhe lugar no governo ou primazia parlamentar já. Ou dando-lhe alento adicional para um futuro próximo, através do torpedear contínuo de um PSD no governo e da liderança, nitidamente fraca, de Montenegro, como aliás já começou a fazer, canibalizando o seu eleitorado mais natural. Ao fim de oito anos de governação, talvez estranhamente, o voto radical e decente neste momento é o voto no PS, também por ser o único que pode conter a demagogia e a fragilidade no poder.

QOSHE - O tempo da palavra não é o tempo do grito - Miguel Romão
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O tempo da palavra não é o tempo do grito

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08.03.2024

Os eleitores tendem a gostar mais de quem acham que conhecem melhor. Claro que provavelmente não conhecem, mas sentem-no e isso basta. Daí que a presença nas televisões e nas redes sociais seja decisiva, mesmo que não necessariamente para criar uma profunda adesão, mas para estabelecer esse traço de confiança mínima que assegura pelo menos a aceitabilidade e uma certa dose de conforto para o eleitor.

Se Luís Montenegro fosse presidente do Aliança, ninguém lhe ligaria nenhuma, mesmo que fosse eloquente e incisivo. Se Pedro Nuno Santos fosse coordenador do MAS, seria apenas uma curiosidade. Tal como sucede, por exemplo, a Filipe Sousa, líder do Juntos pelo Povo (JPP), um homem inteligente e sério, sem merecer qualquer atenção.

Quem valida um ator político são, portanto, as suas aparições públicas, e o que se fala sobre si, nos meios de comunicação. Daí que assegurar pelo menos um deputado seja decisivo, garante de um grau diferenciado de atenção mediática e a única possibilidade real de poder........

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