A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, no passado dia 15, a criação de uma comissão para a conexão social, para combater a "epidemia da solidão". A OMS diz que pretende diminuir os riscos sanitários do isolamento social e mapear recursos e soluções.

É acrescentado que, a nível mundial, um, em cada quatro idosos, está em isolamento social, e que entre 5 a 15% dos adolescentes enfrentam a solidão. Refere-se, ainda, que as pessoas sofrendo de isolamento social têm, significativamente, riscos aumentados, entre outros, de AVC, doença cardiovascular, demências, ansiedade, depressão, morte precoce por aceleração de fatores patológicos, suicídio.

Esta iniciativa da OMS leva-me a dizer que pouco sabemos dos sentidos atuais de "conexão social" e de "solidão".

A conexão social, ou aquilo que se entende por interação social, varia de cultura para cultura, de lugar para lugar. Primeiro, porque o próprio conceito de família, grupo e sociedade podem variar. Depois, porque as dinâmicas comportamentais de interação, também.

As interações sociais online criam alteração significativa das formas e dos sentidos de conexão para um número alargado de humanos. Depois, outros há que se conectam (ou não) através de vários modelos analógicos -- de que uma conversa entre amigos à mesa do café é um exemplo! As conexões online, no atual estado de desenvolvimento da tecnologia, se por um lado permitem novas formas de encontro, por outro, têm limitações evidentes, de que a barreira física do intermediário da comunicação -- o ecrã -- é parte relevante.

A fisicalidade, as mãos que se tocam, o abraço, olhar olhos nos olhos, ouvir as respirações, ver a linguagem corporal, cheirar os perfumes e a transpiração, saborear um beijo, sentir o calor corporal, são importantes? Sim, são essenciais.

Todos temos consciência da existência de variáveis níveis de intensidade que correspondem a diferentes formas de conexão social e como as mesmas, atendendo aos modelos associados, promovem o encontro, ou, em alternativa, promovem o meio encontro, o desencontro ou a ausência. Entre a intimidade e a superfície, muito acontece.

Dificilmente se poderá falar de encontros plenos, quer dizer, de interações que correspondam a uma perfeita conexão social, seja ela entre dois amantes, dentro de uma família, num grupo com afinidades eletivas ou numa sociedade mais alargada. Mas é provável que se possa dizer que há momentos onde a plenitude se manifesta, seja na alegria da interação amorosa, na celebração do aniversário de um filho, no resultado de um jogo de futebol, na entronização de uma figura pública no âmbito de uma cidade ou país -- a conexão social não só não é permanente como varia de dimensão, intensidade e duração.

As idiossincrasias pessoais podem fazer variar a dimensão e a duração da interação social de indivíduos e de grupos. Há pessoas que precisam mais e outras menos.

Entretanto, a solidão, mais que um dado certo é uma circunstância relativa. Pode viver-se sozinho e sentir-se grande conexão social -- por exemplo um escritor eremita em relação à sua comunidade de leitores -- e pode estar-se no meio dos holofotes e viver um sentimento de solidão -- como, eventualmente, acontece a uma estrela de cinema, da música ou do desporto. Estes são exemplos de "solidão negativa" -- o sentimento de falta do outro, dos outros e todas as decorrências físicas, mentais, emocionais, da ausência. Mas há exemplos de "solidão positiva": um entomólogo (estudioso dos insectos) -- pode passar semanas sozinho no campo à procura de dado escaravelho, movido por um entusiasmo que nada deve a um sentimento negativo sobre a ausência de conexão social. O mesmo se poderá dizer de um místico que se retira para a montanha, deliberadamente, querendo-se afastar do encontro social, para encontrar Deus.

Enfim, o que quero dizer é que o trabalho desta nova comissão da OMS, se por um lado vai ter um papel relevante na reflexão, debate e propostas de solução para melhorar as interações sociais e conferir a sua relação com índices sanitários, por outro, terá de fazer um trabalho prévio da categorização conceptual, assim como estabelecer padrões complexos, numa área extremamente difícil de classificar e abordar, uniformemente.

Não esquecer, entretanto, que interação social e solidão são fenómenos muito para lá da política de saúde e que se espera que as mesmas não sejam reduzidas a um enunciado de representação sanitária.

QOSHE - Solidão e conexão social - Jorge Barreto Xavier
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Solidão e conexão social

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20.11.2023

A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, no passado dia 15, a criação de uma comissão para a conexão social, para combater a "epidemia da solidão". A OMS diz que pretende diminuir os riscos sanitários do isolamento social e mapear recursos e soluções.

É acrescentado que, a nível mundial, um, em cada quatro idosos, está em isolamento social, e que entre 5 a 15% dos adolescentes enfrentam a solidão. Refere-se, ainda, que as pessoas sofrendo de isolamento social têm, significativamente, riscos aumentados, entre outros, de AVC, doença cardiovascular, demências, ansiedade, depressão, morte precoce por aceleração de fatores patológicos, suicídio.

Esta iniciativa da OMS leva-me a dizer que pouco sabemos dos sentidos atuais de "conexão social" e de "solidão".

A conexão social, ou aquilo que se entende por interação social, varia de cultura para cultura, de lugar para lugar. Primeiro, porque o próprio conceito de família, grupo e sociedade podem variar. Depois, porque as dinâmicas comportamentais de interação, também.

As interações sociais online criam alteração significativa das........

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