Novembro entra com a América - Halloween - e conclui-se com a América - Black Friday.

No século XXI, recebemos e instalamos estas dinâmicas, que têm origem nos EUA do século XIX. O Halloween, levado por emigrantes anglo-saxónicos como tradições suas, que replicaram no território de chegada. Trata-se de uma festa pagã que celebra a transição do outono para o inverno, com origem ancestral, em terras celtas. A explicação da Black Friday pode estar numa "sexta-feira negra" em termos financeiros, que assolou os EUA nos idos de 1869, em torno da especulação sobre o ouro, em Wall Street. As dinâmicas comerciais associadas ao conceito atual de Black Friday teriam antecedentes naquelas que ocorreram, como resposta à situação, com vendas a preços baixos para estimular a procura e em consequência, o mercado e a economia em geral. Se o primeiro fenómeno - o Halloween - começou por ser uma festa enraizada na população que depois se comercializou (como também aconteceu com a Páscoa e o Natal), o segundo é, originariamente, comercial. E há nisso mal?

Bem, sim e não. O mal: existe uma tendência nas sociedades capitalistas - monetarizar todos os fenómenos de massas. Esta monetarização - ou comodificação (a partir do Inglês, commodification) - em que dado bem cultural/social/ religioso, se torna objeto de mercado, considera os cidadãos, acima de tudo, agentes económicos, na qualidade de consumidores. Esta categoria não é, por si, negativa. Mas não é boa a redução dos fenómenos que estiveram na origem destes comércios, que passam a ser celebrações miméticas e simplistas em todos os lugares, independentemente das culturas de origem. O Halloween e a Black Friday tomaram conta do mundo. Celebram-se nos cinco continentes, com entusiasmo e mesmo frenesim, como aquele que leva milhares e milhares de pessoas a fazer filas para receber amostras à porta de lojas, algures numa cidade qualquer municiada de campanhas de descontos, cartazes, néons, anúncios online, promoções. Que leva pais e filhos a andar vestidos de fantasmas e aboborinhas alegremente, para júbilo maior de vendedores de pechisbeques. E qual é o mal?

O comércio, as dinâmicas que fazem as economias "mexer", não são, por si, um mal, antes pelo contrário, são sinal da vitalidade de dada sociedade, espelhada na sua capacidade aquisitiva.

Todavia, será que precisamos de andar encapuzados a 1 de Novembro? De comprar chocolates em forma de Pai Natal? Ovinhos de Páscoa? A 15.ª camisa para o armário, numa irresistível oferta promocional?

Provavelmente, o "ruído" social, mental e emocional, a adição, que embrutece cérebros e corações, é tão forte nestes processos como naqueles que grudam miúdos de 8 anos a ecrãs de telemóvel e que tem levado escolas a proibir a sua utilização em tempo letivo, com resultados positivos, seja em termos de resultados escolares, seja na interação na sala de aula e no recreio.

Pois, somos manipulados como crianças, no jogo do consumo. Esse é o mal. O bem é a circulação monetária, a criação de emprego. O mal é a desigual distribuição das rendas resultantes do mercado e os impactos negativos em sede de sustentabilidade ambiental. O bem é o contentamento de famílias de parcos recursos, que sabem festejar com pouco, aproveitando as migalhas destas semanas comerciais. O problema é que as festividades associadas escondem doenças sociais e económicas maiores. O mal é que a riqueza cultural, emocional, associada a certas festas - de que a Páscoa, o Natal, o Halloween ocidentais, o Novo Ano Chinês, o Eid al-Adha islâmico, o Chanukah judeu ou o Holi indiano são exemplo - se tem perdido, arruinando o sentido profundo de tradições e espiritualidades, de fantasias e imaginações, a favor do mínimo denominador comum da produção em série (que continua reinante, mesmo quando começa a nascer uma indústria customizada).

O bem é a criação de identidades comuns planetárias, onde se podem encontrar etnias, tradições, celebrações. O bem é que o fastio dos internautas face ao convite ao consumo online levará a que, em 2024, mil milhões de utilizadores da internet usem bloqueadores de publicidade.

Qual o balanço? Como tudo o que importa, é preciso encontrar, viver os sentidos das coisas com equilíbrio, essa pedra filosofal de que poucos encontram o nome.

QOSHE - Semanologia: O mês americano - Jorge Barreto Xavier
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Semanologia: O mês americano

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27.11.2023

Novembro entra com a América - Halloween - e conclui-se com a América - Black Friday.

No século XXI, recebemos e instalamos estas dinâmicas, que têm origem nos EUA do século XIX. O Halloween, levado por emigrantes anglo-saxónicos como tradições suas, que replicaram no território de chegada. Trata-se de uma festa pagã que celebra a transição do outono para o inverno, com origem ancestral, em terras celtas. A explicação da Black Friday pode estar numa "sexta-feira negra" em termos financeiros, que assolou os EUA nos idos de 1869, em torno da especulação sobre o ouro, em Wall Street. As dinâmicas comerciais associadas ao conceito atual de Black Friday teriam antecedentes naquelas que ocorreram, como resposta à situação, com vendas a preços baixos para estimular a procura e em consequência, o mercado e a economia em geral. Se o primeiro fenómeno - o Halloween - começou por ser uma festa enraizada na população que depois se comercializou (como também aconteceu com a Páscoa e o Natal), o segundo é, originariamente, comercial. E há nisso........

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