No rescaldo das diretas no Partido Socialista, venho falar do Partido Social-Democrata. Do PSD diz-se que seria "o partido mais português de Portugal". Creio que se pretendia consolidar a ideia de uma estrutura interclassista, popular, construída de base e com grande representação territorial.

Luís Montenegro desenvolveu, ao longo dos últimos meses, uma iniciativa a que chamou "Sentir Portugal" e através da qual tem residido, por uma semana, em cada um dos distritos do país. É uma boa iniciativa, não só para dar a conhecer o líder junto das populações, como para, como candidato a primeiro-ministro, ter um contacto mais próximo com a geografia humana e física. Mas quem é o PSD local, aquele que existe em cada aldeia, vila ou cidade? Quem são os militantes e simpatizantes que animam as dinâmicas políticas, se mobilizam para as campanhas eleitorais?

Há situações e protagonistas locais que podem trazer danos reputacionais muito relevantes, certamente explorados por adversários políticos e com impacto no eleitorado.

Na passada terça-feira foi detido o alegado traficante de droga Heitor Brandão, ao que parece com ligações a importantes redes de tráfico internacionais. E o que tem isso a ver com o PSD?

Heitor Brandão filiou-se no partido em 2015 e aparece frequentemente associado a Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela e presidente da concelhia de Lisboa do PSD, uma das estruturas de base mais importantes do país. Segundo o Diário de Notícias, trabalharão na Junta de Freguesia da Estrela vários elementos da família de Heitor Brandão: a irmã, Karine Brandão, vogal da concelhia de Lisboa do PSD, Márcio Marujo, cunhado de Heitor Brandão, Graciete Brandão, Sara Brandão, Leonid Brandão. Parece-vos Brandão a mais? A mim também. Se há ou não ligações criminosas entre Heitor Brandão e Luís Newton, será esclarecido pelas autoridades competentes. Mas, a ser verdade a notícia que referi e estando todos estes elementos da família Brandão a trabalhar, com diversos tipos de contratos, na Junta de Freguesia da Estrela, independentemente de qualquer outra coisa, há, com grande probabilidade, uma situação de favorecimento. Do PSD e do PS - e em abono da verdade se diga, mais no PS do que no PSD - temos sabido, ao longo dos anos, de situações várias de amiguismo e clientelismo, coisa que em Portugal não atinge só os partidos. Vê-se em grandes fundações, na Administração Pública, nas empresas. É o retrato de um país que teima em não sair do círculo vicioso dos objetivos menores - beneficiar os próximos - para se focar no círculo virtuoso dos objetivos maiores - beneficiar a comunidade nacional.

No caso concreto que referi, a conclusão do eleitorado é simples: são todos iguais. E nesta igualdade do nivelar por baixo vota-se em protesto nos que parecem oferecer maior segurança ou aumenta-se a fileira dos abstencionistas.

Face a umas eleições em que o PSD quer ser governo, se não mostrar que é diferente do PS, nomeadamente no que se refere à seriedade da sua estrutura política, como vai demonstrar, com autoridade, que pode ser alternativa? Haverá coragem para "limpar a casa"? Ou será que entre sindicatos de votos, ligações políticas, amizades e coisas como "eu sei que tu sabes que eu sei que tu sabes" tudo fica na mesma?

Os partidos, tais como as organizações em geral, precisam de convocar elementos em que se possa confiar para as suas estruturas. Mas se não se distinguir confiança de clientelismo, dificilmente poderemos reivindicar um Portugal para lá dos passeios bem ou mal calcetados por um familiar de Heitor Brandão, dos gráficos bem ou mal preparados pela filha da amiga do membro do conselho de administração, dos documentos previsionais bem ou mal desenvolvidos pelo colega de liceu, das negociações bem ou mal feitas pelo antigo melhor amigo.

Conclusão? Países europeus da nossa dimensão ou mais pequenos têm desempenhos bem melhores. A Dinamarca está no topo do desenvolvimento humano; a Suíça, um dos países com maior riqueza per capita do mundo, inventou-se sem matérias-primas ou grandes recursos; o Luxemburgo, que tem território exíguo e está muito longe de possuir os ativos naturais de Portugal, está bem à nossa frente; a Roménia, que tanto se tratou com desprezo e que entrou para a União Europeia muito depois de nós, já nos ultrapassou em termos de criação de riqueza.

O que têm estes países de diferente? Melhores padrões éticos, maior e mais concertada visão estratégica entre as forças sociais, maior ambição e motivação, melhor gestão, assim como maior e melhor retorno pelo trabalho feito. Não há poções mágicas para sermos mais e melhores - mas há condições decisionais essenciais.

Do "partido mais português de Portugal" espera-se que, face aos atuais desafios internos da sua estrutura, os mesmos sejam orientados para que, com os melhores quadros e sem concessões ao facilitismo e ao clientelismo, se construa alternativa para sairmos do ciclo de governação socialista no século XXI - o PS governou 17 dos últimos 23 anos. O resultado? Está à vista.

QOSHE - O partido mais português - Jorge Barreto Xavier
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O partido mais português

7 1
18.12.2023

No rescaldo das diretas no Partido Socialista, venho falar do Partido Social-Democrata. Do PSD diz-se que seria "o partido mais português de Portugal". Creio que se pretendia consolidar a ideia de uma estrutura interclassista, popular, construída de base e com grande representação territorial.

Luís Montenegro desenvolveu, ao longo dos últimos meses, uma iniciativa a que chamou "Sentir Portugal" e através da qual tem residido, por uma semana, em cada um dos distritos do país. É uma boa iniciativa, não só para dar a conhecer o líder junto das populações, como para, como candidato a primeiro-ministro, ter um contacto mais próximo com a geografia humana e física. Mas quem é o PSD local, aquele que existe em cada aldeia, vila ou cidade? Quem são os militantes e simpatizantes que animam as dinâmicas políticas, se mobilizam para as campanhas eleitorais?

Há situações e protagonistas locais que podem trazer danos reputacionais muito relevantes, certamente explorados por adversários políticos e com impacto no eleitorado.

Na passada terça-feira foi detido o alegado traficante de droga Heitor Brandão, ao que parece com ligações a importantes redes de tráfico internacionais. E o que tem isso a ver com o PSD?

Heitor Brandão filiou-se no partido em........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play