A relação causa-efeito entre a pobreza e a doença foi estabelecida há muito por Edwin Chadwick (1800-1890), em Inglaterra. Foi no tempo do rei Guilherme IV, em 1832, que o primeiro-ministro, Charles Grey, solicitou a Chadwick um relatório pormenorizado sobre os efeitos da pobreza na sociedade. Os seus trabalhos foram sucessivamente confirmados desde a publicação dos resultados. As conclusões são, ainda, citadas nas escolas de Saúde Pública, uma vez que foi a primeira demonstração, cientificamente comprovada, da existência de um círculo vicioso traduzido pela pobreza que acentua o risco de doença e, por outro lado, da doença que aumenta a pobreza.

A seguir, foram muitos os cientistas e filósofos que chegaram às mesmas deduções de Chadwick. Em Portugal, já no século XX, durante a Pandemia de Gripe Asiática de 1957, Arnaldo Sampaio verificou que a gripe era mais intensa e mais grave nas famílias residentes nos bairros pobres de Lisboa.

Mais recentemente, o médico inglês Michael Marmot revelou que as perturbações iniciais de demência surgem 15 anos antes nas famílias de baixos rendimentos quando comparadas com as de altos rendimentos.

Por outras palavras, a pobreza é geradora de múltiplas privações materiais e sociais que não podem ser ignoradas por ninguém. No fundo, a ideia política do Estado Social surgiu para proteger as famílias vulneráveis que se encontram expostas a mais riscos.

Sabe-se, agora, comprovadamente, que as crianças quando, por motivos de pobreza familiar, são privadas de alimentação, habitação, higiene e ensino têm, no futuro, riscos de doenças e de aprendizagem.

Os médicos pediatras concordam que a prioridade máxima, em termos sociais, são as crianças. Por isso, o Estado não pode, nem deve, permitir que crianças estejam expostas às consequências da pobreza. As crianças têm de ser alvo de medidas protetoras concretas, nomeadamente de subsídios discriminados, positivamente, apenas para as situações de famílias de baixos rendimentos.

À semelhança do Complemento Solidário para Idosos, considera-se urgente a criação de um COMPLEMENTO SOLIDÁRIO PARA CRIANÇAS. É uma questão de Justiça Social.

O que não se compreende é o atual panorama português marcado por tanta pobreza. Ainda há poucos dias, o Instituto Nacional de Estatística divulgou dados que envergonham todas as pessoas, uma vez que a taxa de risco de pobreza voltou a subir, especialmente em Lisboa. Uma em cada cinco pessoas vive na pobreza. Uma situação que devia ser motivo de desilusão para todos, mas especialmente para quem governou a República nos últimos 50 anos.

Se é verdade que uma criança de família pobre ao nascer na Maternidade Alfredo da Costa tem condições iguais à de uma outra criança filha de pais ricos, também é verdade que depois, na infância, na adolescência e na juventude, ambas serão separadas por um fosso (gap), cada vez maior com a idade, gerador de um gradiente social associado a desigualdades entre elas.

Exercício de moral: desafia-se o leitor a imaginar, como mera hipótese, que tem um rendimento líquido mensal de 591 euros. Ora, pense o que seria a sua vida presente e futura e a daqueles que de si dependem.

A Democracia, no plano social, deve ser entendida como igualdade de oportunidades. Para tal, impõe-se reduzir o fosso que separa ricos e pobres, sobretudo no que se refere ao futuro das crianças.

Ex-diretor-geral da Saúde
franciscogeorge@icloud.com

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Pobreza & doença

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06.12.2023

A relação causa-efeito entre a pobreza e a doença foi estabelecida há muito por Edwin Chadwick (1800-1890), em Inglaterra. Foi no tempo do rei Guilherme IV, em 1832, que o primeiro-ministro, Charles Grey, solicitou a Chadwick um relatório pormenorizado sobre os efeitos da pobreza na sociedade. Os seus trabalhos foram sucessivamente confirmados desde a publicação dos resultados. As conclusões são, ainda, citadas nas escolas de Saúde Pública, uma vez que foi a primeira demonstração, cientificamente comprovada, da existência de um círculo vicioso traduzido pela pobreza que acentua o risco de doença e, por outro lado, da doença que aumenta a pobreza.

A seguir, foram muitos os cientistas e filósofos que chegaram às mesmas deduções de Chadwick. Em Portugal, já no século XX, durante a Pandemia de Gripe Asiática de 1957, Arnaldo Sampaio verificou que a gripe era........

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