Foram meses, para não dizer anos a tentar convencer os meus pais que o Barco dos Piratas da Playmobil era o presente certo para um miúdo da minha idade. E houve um ano que, na manhã de dia 25 lá estava um embrulho demasiado grande para o que era normal. Sim na manhã do dia 25 porque eu sou do tempo em que se recebiam os presentes de Natal pela manhã, e que se fazia de conta que o Pai Natal tinha vindo pela chaminé. E naquele ano lá estava o tão desejado Barco dos Piratas!

O Barco dos Piratas juntamente com a Garagem da Galp e o Castelo de Grayskull fazia parte da Santíssima Trindade dos brinquedos dos Anos "80.

Este tipo de brinquedos fomentava a nossa imaginação, fazendo com que as nossas almas quase que abandonassem o corpo para um imaginário que era construído por nós a partir do momento que decidíamos brincar com cada um destes objetos.

Agora não. Agora os brinquedos são quase todos muito imaginativos, mas que pouco ou nada fomentam a imaginação. Fomentam sim a capacidade de reação, mas não a construção de cenários, porque esses já foram construídos pelos designers e pelos programadores dos jogos digitais.

© Carlos Rosa

Assim que o capitão saía da caixa, começava a ouvir-se no quarto: "Virar a estibordo grumetes!"; ou "Sigam o mapa do tesouro! O ouro é meu." Os cenários iam-se adensado e espalhando ao longo do chão de um quarto com móveis de folha de contraplacado e tapetes feios escolhidos pelas nossas mães. As ilhas escondidas no mapa eram quase sempre debaixo da cama às quais só tínhamos acesso na maré vazia.

Do outro lado do quarto estava a Garagem da Galp que aguardava impacientemente a sua vez de brincar. Quase que se ouviam os motores dos carrinhos da Majorette a roncar como se estivessem a postos para iniciar as suas loucas corridas pelo corredor da casa.

Agora não. Assim que se escolhe o capitão Blackheart no Fortnite, os cenários estão feitos e acontecem todos dentro de um écran. Pouco ou nada há para imaginar. O que há a fazer é reagir aos ataques e ultrapassar os obstáculos para atingir o objetivo. E também não há carros à espera. Há aplicações. Se nos tempos das PlayStation 1, 2 e 3 as embalagens dos jogos falavam connosco, agora nem isso. São aplicações, escondidas dentro de um menu que aguardam calmamente que alguém se lembre delas.

A minha meninice era dividida pelas aventuras do capitão Playmobil e pelos velozes carros da Majorette que preenchiam a minha Garagem da Galp. Já a meninice dos meus filhos corre o risco de ser incapaz de viver uma aventura no mundo real.

Designer e diretor do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia

QOSHE - Tudo o que eu queria no Natal, era ser pirata! - Carlos Rosa
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Tudo o que eu queria no Natal, era ser pirata!

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27.12.2023

Foram meses, para não dizer anos a tentar convencer os meus pais que o Barco dos Piratas da Playmobil era o presente certo para um miúdo da minha idade. E houve um ano que, na manhã de dia 25 lá estava um embrulho demasiado grande para o que era normal. Sim na manhã do dia 25 porque eu sou do tempo em que se recebiam os presentes de Natal pela manhã, e que se fazia de conta que o Pai Natal tinha vindo pela chaminé. E naquele ano lá estava o tão desejado Barco dos Piratas!

O Barco dos Piratas juntamente com a Garagem da Galp e o Castelo de Grayskull fazia parte da Santíssima Trindade dos brinquedos dos Anos "80.

Este tipo de brinquedos fomentava a nossa........

© Diário de Notícias


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