Normalmente pensa-se na religião como o lugar da acomodação, do politicamente correto, do sempre igual… Pensamos em Deus desligado da vida e, por isso, é mais da classe do ‘deixa andar’, ou do ‘nem aquece, nem arrefece’.
Neste domingo a liturgia fez-nos a proposta de um texto bíblico intenso onde Jesus “Encontrou no templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados às bancas. Fez então um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas; e disse aos que vendiam pombas: ‘Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio’” (Evangelho segundo S. João: 2, 14-16 ).
Estavam em Jerusalém, era tempo de Páscoa e Jesus quis ir ao Templo rezar com os discípulos. Nestes dias a cidade passava de 50.000 habitantes para 180.000 pessoas. Confusão, barulho, estradas sujas, negócios… muitos animais, muitas bancas e muitas pessoas.
Quando Jesus pensava encontrar no Templo silêncio e espaço para rezar deparou-se com vendedores de bois, ovelhas, pombas e muitos negócios… uma feira. O problema não estava na feira, mas no local onde parte da feira estava a acontecer.
Admiro a coragem e o zelo de Jesus. Podia ser mole, indiferente ou simplesmente fingir que não viu. Mas agiu, tomou uma decisão, assumiu uma posição. Não foi cobarde, não se deixou conduzir pelo medo.
Ser cristão não significa ser mole, totó, medricas ou politicamente correto. A fé deve ajudar-nos a tomar decisões corajosas e comprometidas… em casa, no trabalho, na sociedade e connosco próprios.
Fica a pergunta: a atitude de Jesus foi um gesto de violência ou um gesto de profecia? É verdade que tem algo de ‘violento’, mas é essencialmente a maneira de revelar que é o Messias.
No profeta Zacarias dizia-se que no tempo do Messias acabarão os comerciantes do templo (Zacarias 14,21 ). Jesus é quem propõe uma nova maneira de se relacionar com Deus. Ele quer acabar com tudo o que confunda fé com negócio ou Deus com mercado. Acabar com a religião centrada no poder, no mérito, na recompensa; para instituir uma religião centrada na verdade, na graça, na vida e na esperança.
Há muitas bancas para derrubar na sociedade e na Igreja, há necessidade de expulsar em nós e nas relações tudo o que reduz a vida a um negócio e a fé a um mercado. Somos muito mais do que o dinheiro que temos na conta bancária, ou do que o poder que possuímos, ou do estatuto que possamos ter alcançado.
O tempo litúrgico da Quaresma, em que se encontram os cristãos, reclama uma luta a começar por nós. Um agir que nos faça parar, como diz o Papa Francisco. Parar para escutar (Deus) e parar para olhar (a humanidade).

QOSHE - Não ser mole - Nuno Santos
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Não ser mole

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04.03.2024

Normalmente pensa-se na religião como o lugar da acomodação, do politicamente correto, do sempre igual… Pensamos em Deus desligado da vida e, por isso, é mais da classe do ‘deixa andar’, ou do ‘nem aquece, nem arrefece’.
Neste domingo a liturgia fez-nos a proposta de um texto bíblico intenso onde Jesus “Encontrou no templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados às bancas. Fez então um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas; e disse aos que vendiam pombas: ‘Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de........

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