Acabámos de entrar num ano bissexto e, por isso, vamos ter Jogos Olímpicos. Trata-se de simples coincidência, claro, porque as olimpíadas de verão se iniciaram em 1896 e se realizam a cada 4 anos, ou seja, em anos bissextos, aqueles que divisíveis por 4 resultam num número inteiro. A exceção foi 1900, porque os finais de século só são considerados bissextos se forem múltiplos de 400, como aconteceu com 2000 e acontecerá com 2400.
Os anos bissextos, como se sabe, são peculiares: fevereiro ganha um dia suplementar. Isso acontece porque a Terra leva cerca de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45 segundos para completar uma órbita em torno do Sol, mas o nosso calendário gregoriano – iniciado em 1582 – considera um ano civil como sendo composto por 365 dias, introduzindo assim uma discrepância aproximada anual de 6 horas e quadrienal de 24 horas. Para corrigi-la, adiciona-se a fevereiro um 29º dia a cada quatro anos. Sem esses anos bissextos, ficaríamos gradualmente dessincronizados com as estações do ano em mudança e, a prazo, equinócios – inícios da primavera e outono – e solstícios – inícios de verão e inverno – correriam em datas diferentes das especificadas no calendário.

Foi supostamente o imperador romano Júlio César que introduziu essa prática em 46 a.C., quando vigorava o calendário com o seu epíteto. A designação deriva da expressão latina “bis sextus dies ante calendas martii” – “o segundo sexto dia antes das calendas de março” – que, nesse contexto, significava o dia extra adicionado ao mês de fevereiro.
Nos países anglófonos a expressão empregue é “leap year”, “ano de salto”, e os nascidos no dia 29 de fevereiro são chamados “leapers”, literalmente “saltadores” ou, interpretativamente, “bissextinos”. São mais de 4 milhões em todo o mundo. Têm a suposta infelicidade de só celebrarem o aniversário a cada quatro anos, mas o presumível compensatório prazer de poderem dizer que são quatro vezes mais jovens que as demais pessoas.
Os anos bissextos atraíram superstições. Representam para alguns, ano de sorte. Por exemplo, no calendário judaico, um ano típico compreende 12 meses lunares. Todavia, durante um ano bissexto, um décimo terceiro mês é acrescentado ao calendário, o “Shanah Me`uberet”, que pode ser traduzido como “ano grávido ou fecundo”. Para outros, em contrapartida, representa um ano de males. É o caso, por exemplo dos italianos que conservam o provérbio, “anno bisesto, anno funesto” – ou “anno bisesto, che passi presto” (ano bissexto, que passe depressa). Ele dá expressão à crendice dos antigos romanos de que prolongar fevereiro, o Mensis Feralis (mês dos funerais), acarreta mau agouro. E, prontamente recordam alguns, bem sabemos o que é que aconteceu em 2020, o da pandemia e aquele em que todos, mesmo todos, os astrólogos, videntes e demais lunáticos anteviram como glorioso, pleno de fortuna e bem-aventurança.

Em Portugal, azar nosso, ao contrário, por exemplo, de Espanha, como os salários são calculados tomando por base o mês, este ano, cada um de nós trabalhará um dia de graça. Isso poderia criar a tentação de faltar ao trabalho nesse dia. Todavia, será de pensar melhor, pois implicará a perda do subsídio de refeição que é pago por cada dia efetivamente trabalhado.
E, claro, os que ficam sugestionados com quase tudo, depois de às 16h10 locais (eram aqui 7h10) do primeiríssimo dia de 2024 um terramoto com magnitude 7.6 ter atingido a península nipónica de Noto, devem estar neste momento a temer o pior. Contudo, sendo um irritante otimista estou convencido que superaremos bem mais este ano anómalo.

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“Bissextices”

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06.01.2024

Acabámos de entrar num ano bissexto e, por isso, vamos ter Jogos Olímpicos. Trata-se de simples coincidência, claro, porque as olimpíadas de verão se iniciaram em 1896 e se realizam a cada 4 anos, ou seja, em anos bissextos, aqueles que divisíveis por 4 resultam num número inteiro. A exceção foi 1900, porque os finais de século só são considerados bissextos se forem múltiplos de 400, como aconteceu com 2000 e acontecerá com 2400.
Os anos bissextos, como se sabe, são peculiares: fevereiro ganha um dia suplementar. Isso acontece porque a Terra leva cerca de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45 segundos para completar uma órbita em torno do Sol, mas o nosso calendário gregoriano – iniciado em 1582 – considera um ano civil como sendo composto por 365 dias, introduzindo assim uma discrepância aproximada anual de 6 horas e quadrienal de 24 horas. Para corrigi-la, adiciona-se a fevereiro um 29º dia a cada quatro anos. Sem esses anos bissextos, ficaríamos gradualmente........

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